Capítulos (1 de 1) 23 Mar, 2025

O Retorno A Vida

A lâmina cortou de forma limpa, atravessando o peito de César com precisão. Ele mal teve tempo de reagir antes de sentir o calor da dor espalhando-se como fogo. O mundo à sua volta virou um borrão, os sons de gritos e metal se misturando enquanto a vida deixava seu corpo. Ele tentava gritar, mas o ar se foi, e os olhos se fecharam, prendendo tudo em um silêncio absoluto.

O golpe não foi fatal, mas seu corpo não resistiu. Ele caiu, sem forças, os membros imóveis enquanto a visão escurecia. No final, nada mais restou, a não ser a escuridão e um leve pulsar de sangue nas veias.

Ele acordou em uma cama fria.

César tentou se mover, mas a dor que irradiava de cada parte de seu corpo o fez parar no instante seguinte. Ele estava em um lugar escuro, suas mãos ainda tremendo. O que havia acontecido? Sua mente estava em pedaços, confusa, mas a sensação de estar vivo — ou talvez não tão vivo — era inconfundível.

O ambiente ao seu redor era sombrio. O teto baixo e as paredes apodrecidas davam a sensação de que aquele lugar estava abandonado há muito tempo. A luz fraca de um único poste do lado de fora filtrava-se pelas frestas da janela, lançando sombras inquietantes sobre o piso de concreto sujo.

Quando tentou levantar-se, uma dor aguda percorreu sua espinha. Algo estava errado. Seus ossos, seus músculos, não estavam onde deveriam. Ele tocou seu peito e sua mão encontrou um buraco, uma cicatriz grossa e ainda pulsante. Ele olhou para o espelho que estava à sua frente, o reflexo distorcido pela neblina da sua visão.

O que ele via não era o que esperava.

A pele, já cicatrizada, parecia mais dura, como se tivesse sido reposta por algo mais... estranho. Seu rosto, suas mãos, seus dedos, tudo parecia estar no lugar errado. Como se tivesse sido esculpido por mãos imprecisas, em um esforço apressado para recriar sua forma, mas sem sucesso. Ele estava... diferente. Algo de humano ainda restava, mas havia uma energia sinistra que emanava de seu corpo.

E, no entanto, ele estava vivo. Ou, pelo menos, o suficiente para sentir.

Ele tentou forçar a mente a encontrar respostas, mas a confusão o consumia. Como ele ainda podia estar respirando? O que havia acontecido? Lembrava-se vagamente de ter sido perfurado por uma lâmina afiada, a dor que se espalhava como fogo. Mas isso não explicava o que era agora. Como ele estava ali, em um lugar que não reconhecia?

O som de passos interrompeu seus pensamentos. Alguém se aproximava, o som dos pés contra o concreto duro ecoando pelo corredor.

— Finalmente acordou, - - disse uma voz feminina, baixa, como se estivesse se misturando ao ambiente sombrio.

César virou-se para a porta. Uma mulher entrou na sala, sua silhueta recortada pela luz fraca. Ela era alta, com cabelos negros amarrados em um rabo de cavalo, e usava um casaco pesado, desgastado. Seu olhar era calculista, avaliando César com uma curiosidade distante, quase divertida.

— Você está em um lugar seguro, por enquanto - - disse ela, com uma voz tranquila, mas que carregava um toque de indiferença. — Eu sou Morgana. Agora, você vai começar a entender o que aconteceu com você.

César sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele não conseguia se lembrar de quem era Morgana, mas havia algo sobre ela que parecia... familiar. Talvez tivesse algo a ver com os últimos momentos antes de sua morte. Ele tentava forçar as lembranças, mas tudo o que conseguia era uma vaga sensação de que algo estava muito errado.

— Quem fez isso comigo? - - César conseguiu perguntar, sua voz rouca, como se estivesse se reconstruindo de alguma forma. — O que aconteceu?

Morgana se aproximou da mesa que estava ao lado, onde um vidro quebrado refletia a luz fraca. Ela passou a mão por sua face e olhou para o homem com um olhar cínico.

— Você não foi o único, disse ela. — Existem outros como você. Pessoas que não são mais o que eram, mas que têm algo... diferente. Algo que os torna especiais. E, assim como você, todos foram escolhidos. Pela Quarentena.

A palavra "Quarentena" soou pesada no ar, como se tivesse o peso de algo insano. César franziu a testa. Ele não sabia o que significava, mas a forma como Morgana falava, como ela a pronunciava, fazia com que fosse mais do que apenas uma palavra. Era um lugar, uma organização, uma força. E ele estava agora dentro dela.

— A Quarentena? - - repetiu ele, com voz fraca.

Morgana o observou por um momento, como se estivesse decidindo se valeria a pena responder. Ela suspirou.

— Sim, você foi escolhido porque tem o que chamamos de Milagre. Uma habilidade. Ou uma deformação. Cada um de nós tem algo dentro que nos torna diferentes, mas é a Quarentena quem nos controla. - Ela pausou, como se estivesse avaliando o impacto de suas palavras. — Aqui, no Porto Rubro, não há salvação. Mas se você sobreviver... talvez consiga entender o que é realmente importante.

César não respondeu. Ele estava tentando processar o que ela dissera, mas as peças do quebra-cabeça não se encaixavam. O que ele sabia agora era que algo muito maior estava acontecendo. Ele havia morrido, mas de alguma forma, estava vivo. E aquilo não fazia sentido.

— Você precisa começar a treinar, disse Morgana. — Aqui não existe descanso. Cada um de nós tem que lutar pela sobrevivência. Quem não se adapta... morre.

César olhou para ela, tentando absorver tudo o que estava sendo dito. Ele sentiu a energia pulsando em seu corpo, algo que o assustava, mas ao mesmo tempo, o motivava. Ele não sabia o que era, mas tinha que aprender a controlar isso.

— Treinar? - perguntou ele, com a voz mais firme. — Para quê?
Morgana sorriu, mas não foi um sorriso amigável.
— Para sobreviver. Para se tornar o que você deve ser. Ou, melhor, o que eles querem que você seja.
Com isso, ela saiu da sala.

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