Capítulos (1 de 2) 28 Nov, 2024

Capítulo 1 - Oportunidades Desesperadas - PARTE 1

Capítulo 1 - Oportunidades Desesperadas

Por Igor Vicente Guanandy Elton Borges Mesquita

Capítulo 1 – Oportunidades Desesperadas

Um avião bimotor voa sozinho no céu cinzento e frio, nele, apenas três pessoas, um piloto e duas mulheres. Em uma de suas janelas, uma jovem de pele morena observa as pequenas casas amontoadas no chão, sua expressão de desânimo faz com que a senhora ao seu lado a lhe toque o ombro. A moça veste uma roupa esportiva, um top e uma bermuda curta, ambas escuras e chinelos de dedo. Seu cabelo negro cacheado está preso num rabo de cavalo.

— Como está se sentindo, minha jovem? Pergunta Gulnara Solongo, uma senhora, vestida com um sobretudo negro com detalhes dourados, cabelo escuro amarrado em uma trança, sua origem asiática, provavelmente da Mongólia, dava a impressão de que estava sempre apertando os olhos.

As roupas pretas com detalhes dourados passavam um ar autoritário que condizia com a história que ela contou para a jovem antes de embarcarem, de que ela era de fato a líder de um grupo especial que poderia usar suas habilidades, e dar a ela a segurança que buscava, embora tenha falado do grupo de forma bem esparsa.

— Não sei direito, senhora. Estou um pouco preocupada com meu pai… de ter ficado sozinho em casa e… A jovem com tantas dúvidas acerca de seu presente e futuro é Madalena Arocena, uma moça com belos contornos, cabelos cacheados escuros, um corpo magro mas acostumado a esforços físicos. Uma moça oriunda de Cuba, ela vivia a alguns anos no Leste Europeu com seu pai. Sua experiência em Muay Thai acabou chamando a atenção de muitos, o que a colocou em sua atual circunstância. Apenas com a roupa do corpo de sua última luta, sua voz levemente trêmula demonstra grande insegurança que sentia.

— Ah, minha khüükhed... Não pense em nada desnecessário. Seu pai lhe disse que vindo comigo, você estaria segura, contanto que fizesse aquilo que lhe é ordenado. Essa é minha primeira ordem para você Madalena. Não pense demais. Interrompe Gulnara, agora completamente diferente. Os olhos apertados, que outrora pareciam preocupados e compreensivos, agora expressavam autoridade e ao mesmo tempo um aviso para Madalena. Pela primeira vez desde que se conheceram, a jovem soube que, longe de casa e de seu pai, para se resguardar, aquela mulher definitivamente deveria ser obedecida.

Fazendo um sinal positivo com a cabeça, Madalena, de forma dissimulada transforma seu rosto numa expressão em branco, tentando assim esconder suas inseguranças que cresciam cada vez mais..

— Muito bem. Lendo perfeitamente a situação, Gulnara dá um sorriso discreto.

Pouco antes do bimotor chegar ao chão, em uma apertada pista de pouso, bem longe é possível ouvir uma explosão abafada que faz com que Madalena olhe novamente pela janela. Apesar de estar claramente cheia de perguntas, o olhar frio e afiado de Gulnara a faz engolir qualquer pergunta que estivesse pronta para escapar de sua boca.

Elas descem do avião, ambas sem qualquer bagagem. O lugar parecia abandonado, a pista de pouso, apertada e irregular mostrava diversos sinais de desgaste, havendo furos feitos pela vegetação no concreto. O galpão próximo da pista, que mais parecia estar quase caindo, cheio de furos no telhado e tijolos quebrados, abre uma grande porta de aço, e de lá saem cerca de sete homens que certamente carregavam as piores intenções possíveis. Um deles se dirige a Gulnara enquanto os outros ficam para trás, todos eles encaram Madalena com olhares depravados, deixando-a apreensiva, e ao tentar buscar apoio em Gulnara, essa não lhe dirige o rosto.

“Laskavo prosymo, madame! E a viagem?” O homem que parece ter passado de seus cinquenta anos, com uma barba já quase branca, um casaco e roupas que o faziam parecer algum militar, acena com a cabeça sem expressão, com uma cara fechada em direção a Gulnara. Seus olhos claros fitam Madalena de lado, mas ele não dirige a palavra a ela.

“Viajamos bem Havryil. Novamente, não tenho palavras suficientes para agradecer por ter cedido seu transporte para nós.” Gulnara respondeu mostrando indiferença, quase em um tom irônico.

“Sim… este é o pacote?” Havryil encara Madalena de uma forma que a faz suar frio, o que a leva a imediatamente buscar Gulnara, que parece mais entretida com as próprias roupas, e não lhe dirige o olhar.

“Pe-pero que?? Gu-gulnara! O q-que significa isso?” Apreensiva, Madalena dá um passo pra trás, quase como se fosse entrar novamente no avião.

“Hmm.. então Madalena. Este homem é um traficante de mulheres ucraniano. Ele cedeu um transporte para podermos trabalhar dentro deste território em guerra.” Gulnara finalmente encara Madalena sem se quer piscar.

“Como precisávamos de um transporte para esta localidade, prometi a ele que traria uma bela jovem latina para ele, e assim ele nos cedeu o avião.” Sua expressão e suas palavras frias atingem Madalena como um porrete

“Carajoo!! Vo.. você prometeu ao meu pai que me deixaria em segurança!” A jovem desaba, claramente preocupada. Mas seu instinto de sobrevivência começa a aflorar e assume uma postura defensiva enquanto dois homens a cercam pelos lados.

“Sim. Você está correta. Eu prometi ao seu pai que a manteria segura em seu país. Mas bem… estamos na Ucrânia agora.” Gulnara quase esboça um sorriso ao dizer tais palavras, expondo sua personalidade sádica e manipuladora.

“Vamos!” Havryil que se manteve quieto até aquele momento, interrompe a conversa das duas. Dois homens vestindo moletons grossos e toucas, seguram Madalena pelos braços, quase a suspendendo enquanto ela suando frio se debate.

“Ah, Madalena. Encare isso como um teste. Preciso me certificar se você realmente é digna de proteção.” Gulnara se senta na borda da entrada do avião cruzando as pernas abrindo um pequeno sorriso.

Os homens continuam a caminhar, enquanto Madalena ainda está sendo arrastada pelo chão. O líder dos traficantes se vira para Gulnara com uma expressão claramente nervosa, com o rosto vermelho, mas ainda sim sorrindo, disfarçando inutilmente suas emoções.

“Teste?” Havryil se aproxima um pouco de Gulnara.

“Ünen, caro Havryil.” Gulnara acenava de maneira positiva com a cabeça. “Eu prometi a mulher latina, aí está ela. Mas em momento nenhum disse que ela iria ser entregue como um cordeiro.” Quase sorri enquanto fala, Gulnara demonstrava sua satisfação pela realização de seu plano. Seus olhos apertados novamente fitam Madalena, agora com o mesmo tom de autoridade que demonstrou dentro do avião. “Isso não é um show esportivo Madalena. Prove pra mim que você é digna de sobreviver.”

A vida de Madalena, por um instante curto, passa diante dos seus olhos. Prestes a ser capturada por traficantes de mulheres, para um fim que ela nem se atreveu a imaginar, o rosto de seu pai vem em sua mente, na esperança de conseguir reunir forças para resistir. Fragilizada pela fuga de sua segunda casa, depois de ter perdido o que a ligava à sua terra natal, sem saber se veria novamente o que restou de sua família, ela finalmente entende a situação em que está e que deveria fazer aquilo que sabia de melhor. Lutar.

Com uma torção de braço, Madalena consegue se soltar do primeiro homem que lhe arrastava e ao se soltar, dispara uma forte cotovelada na direção de seu pescoço o fazendo imediatamente cair no chão sufocado. Havryil começa a falar alto em seu idioma, que, embora Madalena conseguisse entender poucas palavras, percebeu claramente que ele não pretendia deixar seu precioso “pacote” escapar por entre seus dedos.

O segundo homem que lhe arrastava lhe solta e lhe dá um chute com a sola de seu coturno no rosto de Madalena, por ainda estar distraída e apreensiva com a situação, mal consegue desviar, lhe atingindo a testa.

Ela consegue se levantar e armar uma base, a dor na cabeça lhe faz “acordar”, sabendo que sua vida realmente está em jogo aqui, um movimento em falso, Gulnara não hesitaria em descartá-la para os traficantes.

Sua testa, agora roxa com a pancada, lateja forte, nesse momento sua expressão temerosa se transforma em raiva, direcionando um olhar furioso ao seu agressor.

Os outros quatro homens que aguardavam próximos da construção vêm caminhando lentamente, mas não cercam Madalena, falando entre eles, riem e a provocam fazendo gestos obscenos.

‘“Hah… veja só.” Havryil comenta com Gulnara, ainda sentada próxima ao avião, enquanto retira um bastão retrátil do bolso e o aponta em sua direção, “Nunca mais faremos negócio sua maldita! Sua brincadeira vai te custar muito caro. Pode apostar, pizda!” - Gulnara dá os ombros completamente indiferente às palavras do homem que se dirigia com o bastão a Madalena.

Madalena olha para todos os lados, enquanto os homens vão lentamente a cercando e ela, acuada, vai mantendo sua base, esperando um ataque. Em sua terra natal, ela tinha muito orgulho de suas habilidades como lutadora, que a fizeram brilhar, mas também foram o gatilho que a colocou nesta situação perigosa no qual estava. Porém, essa habilidade era a única coisa que poderia dar à ela uma chance de se salvar agora. Com sangue quente, ela acha que entende as palavras de Gulnara sobre sobrevivência.

Antes que o primeiro homem pudesse tentar agarrá-la, Madalena usa um golpe que lhe garantiu diversas vitórias rápidas em suas lutas, seu famoso low kick. O primeiro homem, era magro e vinha com as mãos estendidas paralelas esperando um soco e ao receber a forte canelada na altura da coxa, sua perna certamente sai do lugar, pois não se atreveu a levantar e ficou agonizando no chão. Então percebeu que aqueles criminosos certamente nunca enfrentaram um lutador de verdade. Poderiam sim, já ter lutado por suas vidas, ou ter convivido com violência diariamente, mas nunca haviam visto alguém usar técnicas de luta.

Era a coragem que ela precisava, Madalena avança contra outros dois homens que ainda estavam com pouca reação, ao ver a perna dobrada do companheiro agonizando de dor no chão. Ela avança em direção ao primeiro, que balança o braço tentando agarrá-la, porém pendulando para o lado direito, ela o golpeia com um cruzado de direita certeiro na altura das costelas. O som do osso da oitava costela trincando faz com que o homem se dobre de dor e Madalena, por um descuido, acaba sendo agarrada pelo próximo adversário que buscava por essa oportunidade.

Madalena sequer para pra pensar e imediatamente chuta o homem curvado a sua frente, que acabara de golpear, empurrando a si mesma e aquele lhe agarrou, forçando ele a perder o equilíbrio e ambos caem no chão. O homem acaba afrouxando os braços, permitindo que ela usasse seus cotovelos afiados na direção de sua barriga. O primeiro golpe faz com que o homem solte completamente todo ar que estava dentro de seu peito e o segundo faz com que se arrependa amargamente de ter chegado perto o suficiente de sua agressora.

Cheia de adrenalina, movida por um misto de raiva por ser uma fugitiva e por ser quase vendida, e o prazer de ver suas habilidades sendo tão eficazes, Madalena imobiliza o homem com seu joelho, segurando sua mão direita com sua mão esquerda a forçando contra o próprio pescoço do adversário, agora sem resistência desfere uma sequência de socos impiedosos no homem indefeso fazendo o sangue pingar das falanges de seus dedos e se espalhar no chão, toda aquela exaltação a faz perder completamente a percepção de que estava desfigurando o homem.

Com uma fúria descontrolada, Madalena continua acertando o homem desacordado, causando vários ferimentos na própria mão.

“¿Quién venderá ahora hijo de pu…” A sequência impiedosa de golpes da jovem acaba com um golpe por trás de sua cabeça. Havryil, que esperou pacientemente o momento oportuno para lhe acertar, usou seu bastão retrátil, acreditando que ela iria perder a consciência imediatamente.

A jovem cai ao lado do homem, com a cabeça no chão e por um segundo perde a consciência, mas antes que pudesse recuperar o domínio sobre si mesma, já estava de pé encarando o agressor, reflexo adquirido com as suas incontáveis lutas na qual não podia se dar ao luxo de continuar no chão e perder.

“Impressionante. Mas agora chega.” Havryil saca uma pistola, enquanto ainda segura o bastão retratil com o sangue de Madalena pingando no chão. “Fique quietinha e vai valer muito quando eu te…”

Um som desconcertante do pescoço de Havryil abrindo em um grande talho, fazendo o seu sangue espirrar aos pés de Madalena que perplexa, vê Gulnara com uma faca karambit cortar seu pescoço por suas costas.

“Sem armas…” Gulnara diz, com uma expressão calma, como se corrigisse o erro inocente de uma criança, com sangue nas mãos. Logo depois, ela calmamente se abaixa, pega a pistola de Havryil no chão e a limpa cuidadosamente com um pano que havia tirado de seu bolso.

“Tome. Acabe com os outros.” Gulnara fala com muita calma, apontando o cabo da arma para Madalena, que estava atônita com o que acabara de ver, entretanto, ainda com raiva nos olhar, ela mostrou, em silêncio, que não tinha intenção de obedecer a ordem.

“Esses homens provavelmente iriam fazer coisas inimagináveis com você e depois a venderiam como um pedaço de carne. Seu corpo seria usado e drogado até que não sobrasse mais nada de você. Você acha que empatia ou piedade vai te levar em algum lugar?” Gulnara fala com forte autoridade, afiada pela experiência, e sua voz faz Madalena tremer, porém também traz segurança de que, se andasse neste caminho sombrio e tortuoso, Gulnara realmente a manteria segura. Mas o tumulto em sua mente ainda não a deixa soltar nenhuma palavra e hesita com o olhar.

A senhora num movimento rápido, segura a arma e a aponta para um dos homens que ainda estava no chão. Ela dispara um tiro certeiro e limpo na nuca o fazendo desabar sem vida no chão, sem sequer mirar ou olhar se teve êxito seu tiro.

“Somos predadoras jovem. Lobos entre os homens. E um lobo não sente pena depois de trucidar sua presa. Ele não sente nada. O que ocorre é apenas a natureza seguindo seu curso e fazendo seu trabalho.” Seus olhos pequenos ainda encaram Madalena que apesar de abalada, busca compreender as palavras que acabara de ouvir.

De cabeça baixa, Madalena pega a arma e encara os homens assustados que se arrastam diante dela, balbuciando palavras que ela não entende, mas interpreta que estão implorando por suas vidas.

“Nem pense na possibilidade de apontar suas presas pra mim garotinha. Mas se você o fizer pra onde eu lhe mandar, certamente vai estar segura, eu lhe garanto, em qualquer lugar desse mundo violento.” Complementa Gulnara, sem se dar ao trabalho de olhar para onde Madalena estava apontando a arma, enquanto limpa o sangue de sua mão com um lenço. Assim, a jovem dispara nos homens restantes que imploravam no chão, arrancando um sorriso de Gulnara.

Após se certificar que os traficantes estavam devidamente mortos, Gulnara vai até o avião e Madalena pode ouvir pelo lado de fora, o som seco e abafado das punhaladas atingindo o piloto do avião que estava completamente silencioso e escondido, manchando de sangue o vidro da cabine. Gulnara desce com um galão de combustível sinalizando para que Madalena o pegasse. “Sem testemunhas.” fala Gulnara, com sua calma desconcertante. A jovem pega o galão e despeja o óleo viscoso sobre os corpos no chão e próximo do avião.

Ao pegar um isqueiro no bolso de um dos corpos que estava no chão, ligá-lo e lançá-lo sobre o líquido, Gulnara não demonstrou qualquer sentimento ou expressão, como se aquela situação fosse algo corriqueiro. Reforçando ainda mais em Madalena a sensação de perigo que aquela senhora transparecia. Madalena fica parada diante daqueles corpos sendo engolidos pelas chamas tentando se livrar da culpa que ainda sentia de ter tirado a vida daqueles desconhecidos, por pior que eles parecessem. O terrível cheiro do óleo queimado e daqueles corpos sendo carbonizados faziam sua mente dar nós, assim como seu estômago vazio, de repente, por de trás dela, Gulnara surge manobrando um veículo possivelmente dos homens mortos.

“Vamos Madalena. Vou levar você até nossa base.” Gulnara abaixa o vidro do carro, com o cabelo solto e óculos escuros, estranhamente diferente como estava antes, provavelmente tentando se disfarçar.

Antes que Madalena entrasse no carro, Gulnara diz a ela “vá atrás”, indicando que apesar de não haver testemunhas das mortes, Madalena estava muito suja de sangue e machucada e que provavelmente poderiam ter problemas e seriam facilmente identificadas por quem quer que fosse, razão esta da qual Gulnara disfarçou sua aparência.

Após Madalena entrar no carro, ambas circulam por algo que parece um bairro muito pobre e vulnerável da cidade. Tudo indica que aquele país estava em conflito e as pessoas estavam sofrendo naquele lugar, a cada esquina, soldados patrulham as ruas vazias fazendo com que Madalena se abaixe e ficasse apenas com parte da cabeça à mostra, olhando apreensiva as ruas. Gulnara por outro lado, não mostra qualquer sinal de preocupação, pelo contrário, enquanto manobra, sorri gentilmente e cumprimenta inclusive os soldados na rua, que a cumprimentam de volta como se aquela fosse uma senhora gentil.

Enquanto andam de carro, Madalena se distrai fechando os olhos adormecendo, pois enquanto viajavam no avião ela não havia piscado os olhos por nenhum instante. Sua mente estava em um turbilhão de pensamentos preocupados, porém agora este cansaço estava sendo cobrado com juros.

O tempo passa em um instante pra ela, abrindo os olhos assustada com o solavanco do carro freando. Gulnara sai do veículo sem avisar, e Madalena imediatamente abre a porta traseira do carro, vendo que estacionaram em um beco isolado com várias paredes de concreto e canos metálicos com apenas uma porta.

Gulnara - Chegamos. - Gulnara tira os óculos escuros e joga dentro do veículo. - Esse é nosso esconderijo, trate de tomar um banho e cuidar de seus próprios ferimentos. Você está com uma péssima aparência. - Novamente em tom imponente, Gulnara dirige o olhar autoritário para Madalena enquanto prende o cabelo se dirigindo a porta, Madalena apenas acena positivamente com a cabeça, completamente exausta e machucada.

Gulnara abre a porta estreita adentrando na construção que pelo lado de fora os tijolos vermelhos e a série de tubulações de aço estranhamente decoram as paredes. Por dentro aquela construção parecia com o depósito de um bar pouco iluminado, com algumas caixas de madeira repletas de garrafas de vidro e algumas estantes de madeira com mais garrafas, algumas delas com copos de vidro de tamanhos variados.

Assim que as duas entram, uma mulher sai de uma das salas, vestida com uma roupa masculina de barman, uma camisa social vermelha e um colete preto e calças sociais. A mulher é branca e tem um corte de cabelo militar raspado nas laterais, o que chama a atenção são muitas cicatrizes que decoram o rosto e um único braço, sua expressão é tão fria quanto a de Gulnara.

Barman - Madame... - Diz ela abrindo uma porta de aço, com um rosto sem qualquer expressão. Gulnara apenas responde positivamente com a cabeça, acenando para ela e fazendo sinal para Madalena a acompanhar.

Elas descem uma longa escadaria levando a um porão no subsolo, as luzes no estreito corredor são fracas e as paredes parecem úmidas, soltando a pintura. Ao final, adentram em um cômodo grande que parece uma espécie de dormitório. Há um grande mapa cheio de riscos, parecendo com estratégias e diversas fotos de pessoas diferentes, como uma lista de alvos na parede. Alguns beliches estão no canto e há algumas portas indicando que pode haver ainda mais alguns cômodos, no centro da sala uma mesa com alguns documentos, livros, mais fotos e um mapa menor do que o que estava na parede. Há duas mulheres na sala, extremamente estranhas, uma gigante aparentando ter certamente mais de dois metros, sentada próximo da mesa, ela tem a pele morena avermelhada, um cabelo grande e está com uma expressão estranhamente acolhedora no rosto. A segunda, Madalena apenas conseguiu identificar como uma mulher pelos pequenos seios que fazem pouco volume na roupa, a mulher é muito mais musculosa do que a primeira e estava sentada numa cadeira entre dois beliches, seu corpo é coberto de cicatrizes e tatuagens e seus olhos completamente negros a encaram com um sorriso desconcertante no rosto. Madalena se sente intimidada pelas duas figuras. Ambas vestem uma espécie de uniforme militar.

Mulher morena - Bem vinda Madame Gulnara!! Essa é a nossa nova parceira? Olá querida!! Tudo bem? Como foi a viagem?? - Em um estranho tom amigável que faz com que Madalena dê um passo pra trás, mas antes de qualquer ação, no momento em que a gigante a toca, ela sente em suas grandes e grossas mãos que aquela era uma assassina tão perigosa quanto Gulnara. Essa era Suvarna..

Gulnara - Viajamos bem senhorita Suvarna. E sim, esta é a nova membra de nossa distinta equipe. Diga-se de passagem, ela fez um excelente trabalho com aquele grupo de traficantes, matou todos. Ela tem talento e potencial. - Gulnara caminha em direção a mesa e começa a folhear alguns documentos que estavam organizados em sequência. - Tenho certeza que com um pouco de treino e experiência, vai se tornar uma ótima infiltradora, algo que faltava no nosso grupo - Gulnara sorri enquanto fixa os olhos nos documentos.

Por outro lado, a gigante Suvarna que ainda segura as mãos de Madalena, se vira para ela com um sorriso aberto.

Suvarna - Yah adbhut hai! Que honra ter alguém tão talentosa conosco. - Diz ela com os olhos fixos e segurando suas mãos com uma força incomum. - Espera.. sua cabeça? Você está machucada! - A expressão acolhedora de Suvarna se transforma em preocupação e a gigante corre com passos pesados em direção a uma estante cheia de caixas, trazendo consigo um kit de primeiros socorros.

“Sente aqui” diz ela fazendo sinal para que Madalena, apontando para a cadeira próxima da mesa no centro daquele dormitório. Madalena caminha lentamente ainda exausta e suja do combate anterior e ao se sentar, Suvarna retira alguns frascos de dentro da caixa que Madalena está cansada demais para se atentar para o que seja. Ao molhar um maço de algodão e passar na cabeça machucada de Madalena, ela pula e se recupera rapidamente do cansaço.

Madalena - ¡Ahí va!! - Reclama Madalena se levantando. - Desculpe, mas pode deixar que eu vou me tratar sozinha, obrigado. Senhora Gulnara, onde posso encontrar roupas e tomar um banho? - Pergunta Madalena, agora atenta e encarando Gulnara que ainda folheava os documentos indiferente.

Gulnara - Ao lado dos beliches, o armário. O banheiro fica na porta ao lado, a vermelha. Trate de sua aparência. - Recorda Gulnara sem se dar ao trabalho de olhar para ela, apenas apontando a direção.

Madalena acena humildemente com a cabeça para Gulnara e a gigante Suvarna, enquanto caminha em direção aos beliches próximo da mulher grande e musculosa que estava sentada. A mulher está com uma faca tática gigante nas mãos, entalhando algum objeto que Madalena desvia o olhar para não fazer contato visual com a figura estranha.

Ao se aproximar da estante e abrir um pequeno armário a mulher musculosa imediatamente o fecha com o pé.

Mulher musculosa - Este é o meu princesa, o seu é esse hehehehe. - Diz ela apontando com a faca para o armário de cima, com um longo e macabro sorriso cheio de dentes pontudos. A figura monstruosa era Alana, com uma voz rouca e áspera que sai por aquela montanha de músculos faz com que Madalena tenha uma sensação desconfortável. Ela então agradece falando entre os dentes e apressa os passos para a porta. Vendo melhor agora, a mulher tem um cabelo loiro raspado dos lados, alguns riscos na sobrancelha e alguns ferimentos em estado inicial de cicatrização, sendo ainda mais estranha de perto.

Ao entrar no grande banheiro, percebe que aquele esconderijo provavelmente era obra de algum grupo militar. O banheiro era enorme, cheio de chuveiros e vasos sanitários, assim como um longo espelho que se estendia por toda a parede. Madalena tira suas roupas sujas e se olha no espelho, machucada e com sangue no rosto. Algumas lágrimas escorrem do seu rosto, mas ela não se permite chorar rapidamente engolindo suas mágoas. Tomando banho, ela tenta se recordar das boas memórias com o pai e com seu professor de muay thai e vagamente dos bons momentos com sua mãe, tirando todo sangue duro e coagulado de seu corpo e pela primeira vez em todo esse tempo consegue finalmente relaxar com a aquela ducha quente.

Após tomar o banho, Madalena se seca e procura no pequeno kit que havia tirado do armário as roupas que iria vestir. Ela se veste e dentro da bolsa percebe algumas rações militares, barras de cereais etc. Essa seria sua primeira refeição em muito tempo, que apesar de não ter gosto nenhum, seu estômago vazio agradeceu no momento em que engoliu aquela massa seca.

Ela ouve a voz de Gulnara do lado de fora e arruma suas coisas para sair jogando as roupas surradas e com sangue no lixo, apesar de não ter conseguido compreender o que ela havia falado do lado de fora. Ao sair, Gulnara e as outras duas mulheres estavam ao redor da mesa e assim que Madalena sai do banheiro olham para ela.

- Hmm… melhor agora. Está se sentindo bem? - Pergunta Gulnara, sem demonstrar qualquer preocupação nos olhos. Ela está com os braços apoiados na mesa, diante de um mapa cheio de riscos e círculos marcando localizações. E continua - Sua aparência melhorou agora, sente-se aqui e tome um chá que preparei, você vai se sentir melhor.

Madalena anda devagar até a mesa e puxa uma cadeira, ao se sentar, a mulher loira musculosa, inclina seu corpo para poder vê-la sentada e assobia, parecendo um homem quando passa por uma mulher na rua. Madalena está vestindo calças largas cor azul escuro e uma camiseta amarelada, um tanto desbotada, calçava ainda coturnos militares. Gulnara encara Alana com reprovação enquanto serve chá, mas a ela parece não se importar com seu olhar e apenas sorri.

- Tome. Então senhoritas, nossa missão será nos infiltrar no ponto C. Nossa equipe vai ser responsável por minar a resistência dos rebeldes. Nosso empregador nos deu alguns explosivos para usarmos em dois pontos. - Gulnara fala enquanto mostra os locais no mapa. - Por sorte, amanhã é um feriado local, então os rebeldes não vão estar preparados para um ataque, como de costume não temos muitos detalhes a respeito da missão. Não que isso faça diferença de alguma forma. - Completa.

- Suvarna e Alana, vocês duas sabem a localização da base e já tem alguma experiência com esse tipo de missão. Suvarna vai deixar os explosivos nos locais marcados e você Alana vai criar a distração. - Enquanto Gulnara fala, Suvarna acena positivamente com a cabeça, bem concentrada e a mulher musculosa Alana, parece estar indiferente as instruções. - Madalena, essa vai ser uma oportunidade para que você veja como executamos nosso trabalho, então amanhã você será motorista do grupo. Sabe dirigir certo? - Continua Gulnara encarando Madalena, assim como as outras duas mulheres.

- Si-si senhora. - Responde Madalena com certa surpresa, não achando que Gulnara lhe daria qualquer instrução. Mas por sorte, realmente sabia dirigir, seu pai também havia lhe ensinado um pouco de mecânica. Gulnara sorri e solta um “muito bem”.

- Vocês estarão sozinhas amanhã, então cooperem umas com as outras, pois irão trabalhar juntas por um bom tempo. Agora, irei precisar sair pois nosso empregador irá acertar os últimos detalhes do pagamento. Conto com vocês senhoritas, tenho confiança nas suas habilidades e certeza de que irão lograr êxito nessa missão. - Ao Gulnara terminar de falar, caso Madalena não tivesse visto sua postura antes, iria pensar que aquela senhora se tratava de uma excelente líder, que possuía carisma e sabia levantar a moral de um grupo como ninguém, porém após Gulnara não mostrar nenhum sinal de culpa ou hesitação em quase descartá-la para os traficantes, Madalena apenas sente que deve fazer seu melhor por medo, não por inspiração.

Gulnara organiza alguns papeis sobre a mesa e desaparece subindo as escadas, acenando com a cabeça. Agora Madalena estava sozinha com aquelas duas desconhecidas e começou a sentir em certo peso em sua cabeça e uma vontade de dormir, apesar disso, seu corpo estava relaxado, provavelmente efeito do chá que Gulnara havia lhe dado.

Madalena coloca um cotovelo na mesa e suspira, consegue ouvir então Alana se levanta e dirige-se até os beliches onde estava antes, ouve também o som de sua faca sendo desembainhada, provavelmente para continuar o entalhe que estava fazendo antes. Suvarna se aproxima da Madalena, com a expressão simpática que tinha outrora.

- Senhorita Madalena, você está se sentindo melhor? Parece cansada, por que não se deita um pouco para descansar? - Pergunta Suvarna colocando a mão em suas costas. Madalena acena positivamente com a cabeça porém no momento em que vira as costas para Suvarna, sente seu corpo sendo arremessado para o lado e desliza no chão com o impacto. A pancada forte pega do lado direito do seu corpo e por estar com o raciocínio ainda lento devido ao cansaço, não entende bem o que aconteceu.

- Como se sente agora? Verme!! - Suvarna está com uma expressão furiosa no rosto caminhando passos fortes como se fosse pisotear Madalena, antes que pudesse ter qualquer reação, Suvarna a segura pelo pescoço e, sem dificuldade alguma, a levanta do chão.

- O que um verme como você poderia ter de tão especial para deixar a madame Gulnara tão orgulhosa? Hã? Vamos, me diga! - Grita Suvarna enquanto aperta forte o pescoço de Madalena, que confusa não consegue falar sufocada.

Lançada novamente na direção oposta, Madalena consegue se levantar apoiada na mesa, ao seu lado, pode ouvir ainda as risadas de Alana como uma hiena rouca, se divertindo com o que está vendo. Suvarna novamente avança com passos pesados até Madalena, que agora, acordada pela dor que sente em todo seu corpo, consegue reagir rápido jogando o chá quente que ainda estava em cima da mesa na direção do rosto de Suvarna, que estava se aproximando. Madalena age completamente por impulso, sem tentar pensar muito na razão de que Suvarna possa estar lhe atacando. Sem perder tempo com a garrafa térmica metálica na mão, Madalena bate na cabeça de Suvarna, quebrando o suporte em que segurava, porém a pancada com a garrafa sequer a fez se mexer.

Suvarna leva as mãos no rosto, o chá não estava quente o suficiente para uma queimadura séria, mas mesmo assim lhe causou dor a fazendo parar e esfregar os olhos enquanto xingava e praguejava em sua língua nativa contra Madalena, que, sem perder muito tempo, buscando um objeto mais pesado para se defender, agarra a cadeira próxima e a acerta em Suvarna. A cadeira se choca contra a lateral do corpo daquela mulher enorme e se parte sem que a gigante mova-se um centímetro, tamanha a diferença de peso.

Alana - HAHAHAHA! Frábært! - Alana vibra do lado dos beliches, batendo palmas. Madalena está completamente confusa, sem saber o que fazer, pois a cadeira que usou se desmanchou no corpo de Suvarna como se aquela mulher gigante fosse feita de rocha.

Madalena pega então uma caneta que estava em cima da mesa e a guarda em seu bolso, caminhando para trás com uma postura defensiva, aguardando que sua adversária recupere a visão.

Suvarna, após voltar a enxergar o suficiente, avança novamente em direção a Madalena, com o braço arqueado para trás, pronta para desferir um soco, Madalena consegue escapar do soco aproveitando agora o espaço que tinha em sua volta.

Após o longo soco de Suvarna balançar no ar, Madalena se dá conta que o tamanho colossal de Suvarna só a ajudava-a se ela conseguisse segurá-la, porém, este mesmo tamanho a fazia ter desvantagem em velocidade, o que Madalena tinha de sobra.

Madalena, ainda com sua postura defensiva, usa seus passos rápidos para se afastar de Suvarna, que avança novamente contra ela. Entretanto, Madalena, agora contando os passos de Suvarna, e, pouco antes que seu pé esquerdo toque o chão, desfere um poderoso low kick com sua perna direita, usando o coturno pesado que estava vestindo. Suvarna imediatamente perde completamente o equilíbrio e desaba. Em um movimento rápido e contínuo, Madalena invertendo sua base, usa a perna direita para desferir uma forte joelhada no meio do rosto de Suvarna que agora estava mais abaixada, dando altura para que Madalena acertasse seu rosto. As risadas desenfreadas e roucas Alana que incomodam Madalena, parecem ser ainda mais nocivas para Suvarna, que está vermelha de raiva e de sangue.

Sem dar muito espaço para Suvarna, Madalena novamente consegue sair de seu alcance, depois de Suvarna tentar segurá-la enquanto continha o sangramento de seu nariz, devido a joelhada de Madalena. Suvarna se levanta completamente furiosa e pega um pedaço da cadeira que estava quebrada no chão, facilmente quebra a borda da madeira com a mão, fazendo uma ponta quebrada. Madalena rapidamente, pega a caneta que tinha no bolso como se fosse uma faca.

- ¡Basta! O que vai fazer se a Madame Gulnara ver nós duas, machucadas e feridas como se a gente tivesse tentando se matar? Huh? - Pergunta Madalena, apontando a caneta para Suvarna, enquanto circula por ela formando uma posição defensiva.

Suvarna para de caminhar, calada, com várias veias saltando em sua testa. Furiosa ela desfere um soco forte na parede e suspira, com a cabeça na mesma parede em que havia dado o soco. Depois se vira com um sorriso no rosto ensanguentado.

- Você tem razão meu amor! Dhan'yav?da! Explicar isso realmente seria trabalhoso. Mais cedo ou mais tarde a oportunidade de te matar vai aparecer e vou fazer com que pareça um acidente. Hahahahaha! - Diz Suvarna, enquanto caminha em direção aos pedaços da cadeira que estavam no chão, recolhendo um a um. Madalena continua na mesma posição, segurando firmemente sua arma improvisada enquanto Suvarna caminha em direção ao banheiro, após entrar, Madalena desaba aliviada colocando a mão na cabeça.

- Ah princesa, que sem graça. Achei que vocês realmente fossem se matar, estava quase empolgada para me juntar a vocês hahahaha… - Diz Alana se voltando para seu entalhe e sua faca, com um sorriso largo e torto no rosto.

- E você o que diria caso isso acontecesse? - Pergunta Madalena com um tom de raiva e cansaço na voz.

- Simples, diria exatamente o que aconteceu. Aquela maluca sentiu ciúmes da Gulnara e te matou hahaha! E você camarãozinho pequeno não conseguiu se defender, isso pouparia você de ser capturada viva amanhã hahahaha!

Madalena balança a cabeça inconsolada, sabendo que não está segura em qualquer lugar que esteja. Não pode nem por um instante relaxar e se recuperar de seus machucados e caminha até um dos beliches, desabando na cama exausta.

- Um conselho peixinho. Durma com um olho aberto e o outro fechado, porque aquele tubarão gigante provavelmente vai tentar te pegar quando você estiver dormindo hahahaha!! - Sussurra Alana, da cama ao lado, enquanto entalha novamente sua peça de madeira.

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