Capítulos (1 de 1) 28 Nov, 2024

Capítulo 1 - Oportunidades Desesperadas

Por Igor Vicente Guanandy & Elton Borges Mesquita

Um avião bimotor voa sozinho no céu cinzento e frio, nele, apenas três pessoas, um piloto e duas mulheres. Em uma de suas janelas, uma jovem de pele morena observa as pequenas casas amontoadas no chão, sua expressão de desânimo faz com que a senhora ao seu lado a lhe toque o ombro. A moça veste uma roupa esportiva, um top e uma bermuda curta, ambas escuras e chinelos de dedo. Seu cabelo negro cacheado está preso num rabo de cavalo.

— Como está se sentindo, minha jovem? Pergunta Gulnara Solongo, uma senhora, vestida com um sobretudo negro com detalhes dourados, cabelo escuro amarrado em uma trança, sua origem asiática, provavelmente da Mongólia, dava a impressão de que estava sempre apertando os olhos.

As roupas pretas com detalhes dourados passavam um ar autoritário que condizia com a história que ela contou para a jovem antes de embarcarem, de que ela era de fato a líder de um grupo especial que poderia usar suas habilidades, e dar a ela a segurança que buscava, embora tenha falado do grupo de forma bem esparsa.

— Não sei direito, senhora. Estou um pouco preocupada com meu pai… de ter ficado sozinho em casa e… A jovem com tantas dúvidas acerca de seu presente e futuro é Madalena Arocena, uma moça com belos contornos, cabelos cacheados escuros, um corpo magro mas acostumado a esforços físicos. Uma moça oriunda de Cuba, ela vivia a alguns anos no Leste Europeu com seu pai. Sua experiência em Muay Thai acabou chamando a atenção de muitos, o que a colocou em sua atual circunstância. Apenas com a roupa do corpo de sua última luta, sua voz levemente trêmula demonstra grande insegurança que sentia.

— Ah, minha khüükhed... Não pense em nada desnecessário. Seu pai lhe disse que vindo comigo, você estaria segura, contanto que fizesse aquilo que lhe é ordenado. Essa é minha primeira ordem para você Madalena. Não pense demais. Interrompe Gulnara, agora completamente diferente. Os olhos apertados, que outrora pareciam preocupados e compreensivos, agora expressavam autoridade e ao mesmo tempo um aviso para Madalena. Pela primeira vez desde que se conheceram, a jovem soube que, longe de casa e de seu pai, para se resguardar, aquela mulher definitivamente deveria ser obedecida.

Fazendo um sinal positivo com a cabeça, Madalena, de forma dissimulada transforma seu rosto numa expressão em branco, tentando assim esconder suas inseguranças que cresciam cada vez mais..

— Muito bem. Lendo perfeitamente a situação, Gulnara dá um sorriso discreto.

Pouco antes do bimotor chegar ao chão, em uma apertada pista de pouso, bem longe é possível ouvir uma explosão abafada que faz com que Madalena olhe novamente pela janela. Apesar de estar claramente cheia de perguntas, o olhar frio e afiado de Gulnara a faz engolir qualquer pergunta que estivesse pronta para escapar de sua boca.

Elas descem do avião, ambas sem qualquer bagagem. O lugar parecia abandonado, a pista de pouso, apertada e irregular mostrava diversos sinais de desgaste, havendo furos feitos pela vegetação no concreto. O galpão próximo da pista, que mais parecia estar quase caindo, cheio de furos no telhado e tijolos quebrados, abre uma grande porta de aço, e de lá saem cerca de sete homens que certamente carregavam as piores intenções possíveis. Um deles se dirige a Gulnara enquanto os outros ficam para trás, todos eles encaram Madalena com olhares depravados, deixando-a apreensiva, e ao tentar buscar apoio em Gulnara, essa não lhe dirige o rosto.

“Laskavo prosymo, madame! E a viagem?” O homem que parece ter passado de seus cinquenta anos, com uma barba já quase branca, um casaco e roupas que o faziam parecer algum militar, acena com a cabeça sem expressão, com uma cara fechada em direção a Gulnara. Seus olhos claros fitam Madalena de lado, mas ele não dirige a palavra a ela.

“Viajamos bem Havryil. Novamente, não tenho palavras suficientes para agradecer por ter cedido seu transporte para nós.” Gulnara respondeu mostrando indiferença, quase em um tom irônico.

“Sim… este é o pacote?” Havryil encara Madalena de uma forma que a faz suar frio, o que a leva a imediatamente buscar Gulnara, que parece mais entretida com as próprias roupas, e não lhe dirige o olhar.

“Pe-pero que?? Gu-gulnara! O q-que significa isso?” Apreensiva, Madalena dá um passo pra trás, quase como se fosse entrar novamente no avião.

“Hmm.. então Madalena. Este homem é um traficante de mulheres ucraniano. Ele cedeu um transporte para podermos trabalhar dentro deste território em guerra.” Gulnara finalmente encara Madalena sem se quer piscar.

“Como precisávamos de um transporte para esta localidade, prometi a ele que traria uma bela jovem latina para ele, e assim ele nos cedeu o avião.” Sua expressão e suas palavras frias atingem Madalena como um porrete

“Carajoo!! Vo.. você prometeu ao meu pai que me deixaria em segurança!” A jovem desaba, claramente preocupada. Mas seu instinto de sobrevivência começa a aflorar e assume uma postura defensiva enquanto dois homens a cercam pelos lados.

“Sim. Você está correta. Eu prometi ao seu pai que a manteria segura em seu país. Mas bem… estamos na Ucrânia agora.” Gulnara quase esboça um sorriso ao dizer tais palavras, expondo sua personalidade sádica e manipuladora.

“Vamos!” Havryil que se manteve quieto até aquele momento, interrompe a conversa das duas. Dois homens vestindo moletons grossos e toucas, seguram Madalena pelos braços, quase a suspendendo enquanto ela suando frio se debate.

“Ah, Madalena. Encare isso como um teste. Preciso me certificar se você realmente é digna de proteção.” Gulnara se senta na borda da entrada do avião cruzando as pernas abrindo um pequeno sorriso.

Os homens continuam a caminhar, enquanto Madalena ainda está sendo arrastada pelo chão. O líder dos traficantes se vira para Gulnara com uma expressão claramente nervosa, com o rosto vermelho, mas ainda sim sorrindo, disfarçando inutilmente suas emoções.

“Teste?” Havryil se aproxima um pouco de Gulnara.

“Ünen, caro Havryil.” Gulnara acenava de maneira positiva com a cabeça. “Eu prometi a mulher latina, aí está ela. Mas em momento nenhum disse que ela iria ser entregue como um cordeiro.” Quase sorri enquanto fala, Gulnara demonstrava sua satisfação pela realização de seu plano. Seus olhos apertados novamente fitam Madalena, agora com o mesmo tom de autoridade que demonstrou dentro do avião. “Isso não é um show esportivo Madalena. Prove pra mim que você é digna de sobreviver.”

A vida de Madalena, por um instante curto, passa diante dos seus olhos. Prestes a ser capturada por traficantes de mulheres, para um fim que ela nem se atreveu a imaginar, o rosto de seu pai vem em sua mente, na esperança de conseguir reunir forças para resistir. Fragilizada pela fuga de sua segunda casa, depois de ter perdido o que a ligava à sua terra natal, sem saber se veria novamente o que restou de sua família, ela finalmente entende a situação em que está e que deveria fazer aquilo que sabia de melhor. Lutar.

Com uma torção de braço, Madalena consegue se soltar do primeiro homem que lhe arrastava e ao se soltar, dispara uma forte cotovelada na direção de seu pescoço o fazendo imediatamente cair no chão sufocado. Havryil começa a falar alto em seu idioma, que, embora Madalena conseguisse entender poucas palavras, percebeu claramente que ele não pretendia deixar seu precioso “pacote” escapar por entre seus dedos.

O segundo homem que lhe arrastava lhe solta e lhe dá um chute com a sola de seu coturno no rosto de Madalena, por ainda estar distraída e apreensiva com a situação, mal consegue desviar, lhe atingindo a testa.

Ela consegue se levantar e armar uma base, a dor na cabeça lhe faz “acordar”, sabendo que sua vida realmente está em jogo aqui, um movimento em falso, Gulnara não hesitaria em descartá-la para os traficantes.

Sua testa, agora roxa com a pancada, lateja forte, nesse momento sua expressão temerosa se transforma em raiva, direcionando um olhar furioso ao seu agressor.

Os outros quatro homens que aguardavam próximos da construção vêm caminhando lentamente, mas não cercam Madalena, falando entre eles, riem e a provocam fazendo gestos obscenos.

‘“Hah… veja só.” Havryil comenta com Gulnara, ainda sentada próxima ao avião, enquanto retira um bastão retrátil do bolso e o aponta em sua direção, “Nunca mais faremos negócio sua maldita! Sua brincadeira vai te custar muito caro. Pode apostar, pizda!” - Gulnara dá os ombros completamente indiferente às palavras do homem que se dirigia com o bastão a Madalena.

Madalena olha para todos os lados, enquanto os homens vão lentamente a cercando e ela, acuada, vai mantendo sua base, esperando um ataque. Em sua terra natal, ela tinha muito orgulho de suas habilidades como lutadora, que a fizeram brilhar, mas também foram o gatilho que a colocou nesta situação perigosa no qual estava. Porém, essa habilidade era a única coisa que poderia dar à ela uma chance de se salvar agora. Com sangue quente, ela acha que entende as palavras de Gulnara sobre sobrevivência.

Antes que o primeiro homem pudesse tentar agarrá-la, Madalena usa um golpe que lhe garantiu diversas vitórias rápidas em suas lutas, seu famoso low kick. O primeiro homem, era magro e vinha com as mãos estendidas paralelas esperando um soco e ao receber a forte canelada na altura da coxa, sua perna certamente sai do lugar, pois não se atreveu a levantar e ficou agonizando no chão. Então percebeu que aqueles criminosos certamente nunca enfrentaram um lutador de verdade. Poderiam sim, já ter lutado por suas vidas, ou ter convivido com violência diariamente, mas nunca haviam visto alguém usar técnicas de luta.

Era a coragem que ela precisava, Madalena avança contra outros dois homens que ainda estavam com pouca reação, ao ver a perna dobrada do companheiro agonizando de dor no chão. Ela avança em direção ao primeiro, que balança o braço tentando agarrá-la, porém pendulando para o lado direito, ela o golpeia com um cruzado de direita certeiro na altura das costelas. O som do osso da oitava costela trincando faz com que o homem se dobre de dor e Madalena, por um descuido, acaba sendo agarrada pelo próximo adversário que buscava por essa oportunidade.

Madalena sequer para pra pensar e imediatamente chuta o homem curvado a sua frente, que acabara de golpear, empurrando a si mesma e aquele lhe agarrou, forçando ele a perder o equilíbrio e ambos caem no chão. O homem acaba afrouxando os braços, permitindo que ela usasse seus cotovelos afiados na direção de sua barriga. O primeiro golpe faz com que o homem solte completamente todo ar que estava dentro de seu peito e o segundo faz com que se arrependa amargamente de ter chegado perto o suficiente de sua agressora.

Cheia de adrenalina, movida por um misto de raiva por ser uma fugitiva e por ser quase vendida, e o prazer de ver suas habilidades sendo tão eficazes, Madalena imobiliza o homem com seu joelho, segurando sua mão direita com sua mão esquerda a forçando contra o próprio pescoço do adversário, agora sem resistência desfere uma sequência de socos impiedosos no homem indefeso fazendo o sangue pingar das falanges de seus dedos e se espalhar no chão, toda aquela exaltação a faz perder completamente a percepção de que estava desfigurando o homem.

Com uma fúria descontrolada, Madalena continua acertando o homem desacordado, causando vários ferimentos na própria mão.

“¿Quién venderá ahora hijo de pu…” A sequência impiedosa de golpes da jovem acaba com um golpe por trás de sua cabeça. Havryil, que esperou pacientemente o momento oportuno para lhe acertar, usou seu bastão retrátil, acreditando que ela iria perder a consciência imediatamente.

A jovem cai ao lado do homem, com a cabeça no chão e por um segundo perde a consciência, mas antes que pudesse recuperar o domínio sobre si mesma, já estava de pé encarando o agressor, reflexo adquirido com as suas incontáveis lutas na qual não podia se dar ao luxo de continuar no chão e perder.

“Impressionante. Mas agora chega.” Havryil saca uma pistola, enquanto ainda segura o bastão retratil com o sangue de Madalena pingando no chão. “Fique quietinha e vai valer muito quando eu te…”

Um som desconcertante do pescoço de Havryil abrindo em um grande talho, fazendo o seu sangue espirrar aos pés de Madalena que perplexa, vê Gulnara com uma faca karambit cortar seu pescoço por suas costas.

“Sem armas…” Gulnara diz, com uma expressão calma, como se corrigisse o erro inocente de uma criança, com sangue nas mãos. Logo depois, ela calmamente se abaixa, pega a pistola de Havryil no chão e a limpa cuidadosamente com um pano que havia tirado de seu bolso.

“Tome. Acabe com os outros.” Gulnara fala com muita calma, apontando o cabo da arma para Madalena, que estava atônita com o que acabara de ver, entretanto, ainda com raiva nos olhar, ela mostrou, em silêncio, que não tinha intenção de obedecer a ordem.

“Esses homens provavelmente iriam fazer coisas inimagináveis com você e depois a venderiam como um pedaço de carne. Seu corpo seria usado e drogado até que não sobrasse mais nada de você. Você acha que empatia ou piedade vai te levar em algum lugar?” Gulnara fala com forte autoridade, afiada pela experiência, e sua voz faz Madalena tremer, porém também traz segurança de que, se andasse neste caminho sombrio e tortuoso, Gulnara realmente a manteria segura. Mas o tumulto em sua mente ainda não a deixa soltar nenhuma palavra e hesita com o olhar.

A senhora num movimento rápido, segura a arma e a aponta para um dos homens que ainda estava no chão. Ela dispara um tiro certeiro e limpo na nuca o fazendo desabar sem vida no chão, sem sequer mirar ou olhar se teve êxito seu tiro.

“Somos predadoras jovem. Lobos entre os homens. E um lobo não sente pena depois de trucidar sua presa. Ele não sente nada. O que ocorre é apenas a natureza seguindo seu curso e fazendo seu trabalho.” Seus olhos pequenos ainda encaram Madalena que apesar de abalada, busca compreender as palavras que acabara de ouvir.

De cabeça baixa, Madalena pega a arma e encara os homens assustados que se arrastam diante dela, balbuciando palavras que ela não entende, mas interpreta que estão implorando por suas vidas.

“Nem pense na possibilidade de apontar suas presas pra mim garotinha. Mas se você o fizer pra onde eu lhe mandar, certamente vai estar segura, eu lhe garanto, em qualquer lugar desse mundo violento.” Complementa Gulnara, sem se dar ao trabalho de olhar para onde Madalena estava apontando a arma, enquanto limpa o sangue de sua mão com um lenço. Assim, a jovem dispara nos homens restantes que imploravam no chão, arrancando um sorriso de Gulnara.

2

Após se certificar que os traficantes estavam devidamente mortos, Gulnara vai até o avião e Madalena pode ouvir pelo lado de fora, o som seco e abafado das punhaladas atingindo o piloto do avião que estava completamente silencioso e escondido, manchando de sangue o vidro da cabine. Gulnara desce com um galão de combustível sinalizando para que Madalena o pegasse. “Sem testemunhas.” fala Gulnara, com sua calma desconcertante. A jovem pega o galão e despeja o óleo viscoso sobre os corpos no chão e próximo do avião.

Ao pegar um isqueiro no bolso de um dos corpos que estava no chão, ligá-lo e lançá-lo sobre o líquido, Gulnara não demonstrou qualquer sentimento ou expressão, como se aquela situação fosse algo corriqueiro. Reforçando ainda mais em Madalena a sensação de perigo que aquela senhora transparecia. Madalena fica parada diante daqueles corpos sendo engolidos pelas chamas tentando se livrar da culpa que ainda sentia de ter tirado a vida daqueles desconhecidos, por pior que eles parecessem. O terrível cheiro do óleo queimado e daqueles corpos sendo carbonizados faziam sua mente dar nós, assim como seu estômago vazio, de repente, por de trás dela, Gulnara surge manobrando um veículo possivelmente dos homens mortos.

“Vamos Madalena. Vou levar você até nossa base.” Gulnara abaixa o vidro do carro, com o cabelo solto e óculos escuros, estranhamente diferente como estava antes, provavelmente tentando se disfarçar.

Antes que Madalena entrasse no carro, Gulnara diz a ela “vá atrás”, indicando que apesar de não haver testemunhas das mortes, Madalena estava muito suja de sangue e machucada e que provavelmente poderiam ter problemas e seriam facilmente identificadas por quem quer que fosse, razão esta da qual Gulnara disfarçou sua aparência.

Após Madalena entrar no carro, ambas circulam por algo que parece um bairro muito pobre e vulnerável da cidade. Tudo indica que aquele país estava em conflito e as pessoas estavam sofrendo naquele lugar, a cada esquina, soldados patrulham as ruas vazias fazendo com que Madalena se abaixe e ficasse apenas com parte da cabeça à mostra, olhando apreensiva as ruas. Gulnara por outro lado, não mostra qualquer sinal de preocupação, pelo contrário, enquanto manobra, sorri gentilmente e cumprimenta inclusive os soldados na rua, que a cumprimentam de volta como se aquela fosse uma senhora gentil.

Enquanto andam de carro, Madalena se distrai fechando os olhos adormecendo, pois enquanto viajavam no avião ela não havia piscado os olhos por nenhum instante. Sua mente estava em um turbilhão de pensamentos preocupados, porém agora este cansaço estava sendo cobrado com juros.

O tempo passa em um instante pra ela, abrindo os olhos assustada com o solavanco do carro freando. Gulnara sai do veículo sem avisar, e Madalena imediatamente abre a porta traseira do carro, vendo que estacionaram em um beco isolado com várias paredes de concreto e canos metálicos com apenas uma porta.

Gulnara - Chegamos. - Gulnara tira os óculos escuros e joga dentro do veículo. - Esse é nosso esconderijo, trate de tomar um banho e cuidar de seus próprios ferimentos. Você está com uma péssima aparência. - Novamente em tom imponente, Gulnara dirige o olhar autoritário para Madalena enquanto prende o cabelo se dirigindo a porta, Madalena apenas acena positivamente com a cabeça, completamente exausta e machucada.

Gulnara abre a porta estreita adentrando na construção que pelo lado de fora os tijolos vermelhos e a série de tubulações de aço estranhamente decoram as paredes. Por dentro aquela construção parecia com o depósito de um bar pouco iluminado, com algumas caixas de madeira repletas de garrafas de vidro e algumas estantes de madeira com mais garrafas, algumas delas com copos de vidro de tamanhos variados.

Assim que as duas entram, uma mulher sai de uma das salas, vestida com uma roupa masculina de barman, uma camisa social vermelha e um colete preto e calças sociais. A mulher é branca e tem um corte de cabelo militar raspado nas laterais, o que chama a atenção são muitas cicatrizes que decoram o rosto e um único braço, sua expressão é tão fria quanto a de Gulnara.

Barman - Madame... - Diz ela abrindo uma porta de aço, com um rosto sem qualquer expressão. Gulnara apenas responde positivamente com a cabeça, acenando para ela e fazendo sinal para Madalena a acompanhar.

Elas descem uma longa escadaria levando a um porão no subsolo, as luzes no estreito corredor são fracas e as paredes parecem úmidas, soltando a pintura. Ao final, adentram em um cômodo grande que parece uma espécie de dormitório. Há um grande mapa cheio de riscos, parecendo com estratégias e diversas fotos de pessoas diferentes, como uma lista de alvos na parede. Alguns beliches estão no canto e há algumas portas indicando que pode haver ainda mais alguns cômodos, no centro da sala uma mesa com alguns documentos, livros, mais fotos e um mapa menor do que o que estava na parede. Há duas mulheres na sala, extremamente estranhas, uma gigante aparentando ter certamente mais de dois metros, sentada próximo da mesa, ela tem a pele morena avermelhada, um cabelo grande e está com uma expressão estranhamente acolhedora no rosto. A segunda, Madalena apenas conseguiu identificar como uma mulher pelos pequenos seios que fazem pouco volume na roupa, a mulher é muito mais musculosa do que a primeira e estava sentada numa cadeira entre dois beliches, seu corpo é coberto de cicatrizes e tatuagens e seus olhos completamente negros a encaram com um sorriso desconcertante no rosto. Madalena se sente intimidada pelas duas figuras. Ambas vestem uma espécie de uniforme militar.

Mulher morena - Bem vinda Madame Gulnara!! Essa é a nossa nova parceira? Olá querida!! Tudo bem? Como foi a viagem?? - Em um estranho tom amigável que faz com que Madalena dê um passo pra trás, mas antes de qualquer ação, no momento em que a gigante a toca, ela sente em suas grandes e grossas mãos que aquela era uma assassina tão perigosa quanto Gulnara. Essa era Suvarna..

Gulnara - Viajamos bem senhorita Suvarna. E sim, esta é a nova membra de nossa distinta equipe. Diga-se de passagem, ela fez um excelente trabalho com aquele grupo de traficantes, matou todos. Ela tem talento e potencial. - Gulnara caminha em direção a mesa e começa a folhear alguns documentos que estavam organizados em sequência. - Tenho certeza que com um pouco de treino e experiência, vai se tornar uma ótima infiltradora, algo que faltava no nosso grupo - Gulnara sorri enquanto fixa os olhos nos documentos.

Por outro lado, a gigante Suvarna que ainda segura as mãos de Madalena, se vira para ela com um sorriso aberto.

Suvarna - Yah adbhut hai! Que honra ter alguém tão talentosa conosco. - Diz ela com os olhos fixos e segurando suas mãos com uma força incomum. - Espera.. sua cabeça? Você está machucada! - A expressão acolhedora de Suvarna se transforma em preocupação e a gigante corre com passos pesados em direção a uma estante cheia de caixas, trazendo consigo um kit de primeiros socorros.

“Sente aqui” diz ela fazendo sinal para que Madalena, apontando para a cadeira próxima da mesa no centro daquele dormitório. Madalena caminha lentamente ainda exausta e suja do combate anterior e ao se sentar, Suvarna retira alguns frascos de dentro da caixa que Madalena está cansada demais para se atentar para o que seja. Ao molhar um maço de algodão e passar na cabeça machucada de Madalena, ela pula e se recupera rapidamente do cansaço.

Madalena - ¡Ahí va!! - Reclama Madalena se levantando. - Desculpe, mas pode deixar que eu vou me tratar sozinha, obrigado. Senhora Gulnara, onde posso encontrar roupas e tomar um banho? - Pergunta Madalena, agora atenta e encarando Gulnara que ainda folheava os documentos indiferente.

Gulnara - Ao lado dos beliches, o armário. O banheiro fica na porta ao lado, a vermelha. Trate de sua aparência. - Recorda Gulnara sem se dar ao trabalho de olhar para ela, apenas apontando a direção.

Madalena acena humildemente com a cabeça para Gulnara e a gigante Suvarna, enquanto caminha em direção aos beliches próximo da mulher grande e musculosa que estava sentada. A mulher está com uma faca tática gigante nas mãos, entalhando algum objeto que Madalena desvia o olhar para não fazer contato visual com a figura estranha.

Ao se aproximar da estante e abrir um pequeno armário a mulher musculosa imediatamente o fecha com o pé.

Mulher musculosa - Este é o meu princesa, o seu é esse hehehehe. - Diz ela apontando com a faca para o armário de cima, com um longo e macabro sorriso cheio de dentes pontudos. A figura monstruosa era Alana, com uma voz rouca e áspera que sai por aquela montanha de músculos faz com que Madalena tenha uma sensação desconfortável. Ela então agradece falando entre os dentes e apressa os passos para a porta. Vendo melhor agora, a mulher tem um cabelo loiro raspado dos lados, alguns riscos na sobrancelha e alguns ferimentos em estado inicial de cicatrização, sendo ainda mais estranha de perto.

Ao entrar no grande banheiro, percebe que aquele esconderijo provavelmente era obra de algum grupo militar. O banheiro era enorme, cheio de chuveiros e vasos sanitários, assim como um longo espelho que se estendia por toda a parede. Madalena tira suas roupas sujas e se olha no espelho, machucada e com sangue no rosto. Algumas lágrimas escorrem do seu rosto, mas ela não se permite chorar rapidamente engolindo suas mágoas. Tomando banho, ela tenta se recordar das boas memórias com o pai e com seu professor de muay thai e vagamente dos bons momentos com sua mãe, tirando todo sangue duro e coagulado de seu corpo e pela primeira vez em todo esse tempo consegue finalmente relaxar com a aquela ducha quente.

Após tomar o banho, Madalena se seca e procura no pequeno kit que havia tirado do armário as roupas que iria vestir. Ela se veste e dentro da bolsa percebe algumas rações militares, barras de cereais etc. Essa seria sua primeira refeição em muito tempo, que apesar de não ter gosto nenhum, seu estômago vazio agradeceu no momento em que engoliu aquela massa seca.

Ela ouve a voz de Gulnara do lado de fora e arruma suas coisas para sair jogando as roupas surradas e com sangue no lixo, apesar de não ter conseguido compreender o que ela havia falado do lado de fora. Ao sair, Gulnara e as outras duas mulheres estavam ao redor da mesa e assim que Madalena sai do banheiro olham para ela.

- Hmm… melhor agora. Está se sentindo bem? - Pergunta Gulnara, sem demonstrar qualquer preocupação nos olhos. Ela está com os braços apoiados na mesa, diante de um mapa cheio de riscos e círculos marcando localizações. E continua - Sua aparência melhorou agora, sente-se aqui e tome um chá que preparei, você vai se sentir melhor.

Madalena anda devagar até a mesa e puxa uma cadeira, ao se sentar, a mulher loira musculosa, inclina seu corpo para poder vê-la sentada e assobia, parecendo um homem quando passa por uma mulher na rua. Madalena está vestindo calças largas cor azul escuro e uma camiseta amarelada, um tanto desbotada, calçava ainda coturnos militares. Gulnara encara Alana com reprovação enquanto serve chá, mas a ela parece não se importar com seu olhar e apenas sorri.

- Tome. Então senhoritas, nossa missão será nos infiltrar no ponto C. Nossa equipe vai ser responsável por minar a resistência dos rebeldes. Nosso empregador nos deu alguns explosivos para usarmos em dois pontos. - Gulnara fala enquanto mostra os locais no mapa. - Por sorte, amanhã é um feriado local, então os rebeldes não vão estar preparados para um ataque, como de costume não temos muitos detalhes a respeito da missão. Não que isso faça diferença de alguma forma. - Completa.

- Suvarna e Alana, vocês duas sabem a localização da base e já tem alguma experiência com esse tipo de missão. Suvarna vai deixar os explosivos nos locais marcados e você Alana vai criar a distração. - Enquanto Gulnara fala, Suvarna acena positivamente com a cabeça, bem concentrada e a mulher musculosa Alana, parece estar indiferente as instruções. - Madalena, essa vai ser uma oportunidade para que você veja como executamos nosso trabalho, então amanhã você será motorista do grupo. Sabe dirigir certo? - Continua Gulnara encarando Madalena, assim como as outras duas mulheres.

- Si-si senhora. - Responde Madalena com certa surpresa, não achando que Gulnara lhe daria qualquer instrução. Mas por sorte, realmente sabia dirigir, seu pai também havia lhe ensinado um pouco de mecânica. Gulnara sorri e solta um “muito bem”.

- Vocês estarão sozinhas amanhã, então cooperem umas com as outras, pois irão trabalhar juntas por um bom tempo. Agora, irei precisar sair pois nosso empregador irá acertar os últimos detalhes do pagamento. Conto com vocês senhoritas, tenho confiança nas suas habilidades e certeza de que irão lograr êxito nessa missão. - Ao Gulnara terminar de falar, caso Madalena não tivesse visto sua postura antes, iria pensar que aquela senhora se tratava de uma excelente líder, que possuía carisma e sabia levantar a moral de um grupo como ninguém, porém após Gulnara não mostrar nenhum sinal de culpa ou hesitação em quase descartá-la para os traficantes, Madalena apenas sente que deve fazer seu melhor por medo, não por inspiração.

Gulnara organiza alguns papeis sobre a mesa e desaparece subindo as escadas, acenando com a cabeça. Agora Madalena estava sozinha com aquelas duas desconhecidas e começou a sentir em certo peso em sua cabeça e uma vontade de dormir, apesar disso, seu corpo estava relaxado, provavelmente efeito do chá que Gulnara havia lhe dado.

Madalena coloca um cotovelo na mesa e suspira, consegue ouvir então Alana se levanta e dirige-se até os beliches onde estava antes, ouve também o som de sua faca sendo desembainhada, provavelmente para continuar o entalhe que estava fazendo antes. Suvarna se aproxima da Madalena, com a expressão simpática que tinha outrora.

- Senhorita Madalena, você está se sentindo melhor? Parece cansada, por que não se deita um pouco para descansar? - Pergunta Suvarna colocando a mão em suas costas. Madalena acena positivamente com a cabeça porém no momento em que vira as costas para Suvarna, sente seu corpo sendo arremessado para o lado e desliza no chão com o impacto. A pancada forte pega do lado direito do seu corpo e por estar com o raciocínio ainda lento devido ao cansaço, não entende bem o que aconteceu.

- Como se sente agora? Verme!! - Suvarna está com uma expressão furiosa no rosto caminhando passos fortes como se fosse pisotear Madalena, antes que pudesse ter qualquer reação, Suvarna a segura pelo pescoço e, sem dificuldade alguma, a levanta do chão.

- O que um verme como você poderia ter de tão especial para deixar a madame Gulnara tão orgulhosa? Hã? Vamos, me diga! - Grita Suvarna enquanto aperta forte o pescoço de Madalena, que confusa não consegue falar sufocada.

Lançada novamente na direção oposta, Madalena consegue se levantar apoiada na mesa, ao seu lado, pode ouvir ainda as risadas de Alana como uma hiena rouca, se divertindo com o que está vendo. Suvarna novamente avança com passos pesados até Madalena, que agora, acordada pela dor que sente em todo seu corpo, consegue reagir rápido jogando o chá quente que ainda estava em cima da mesa na direção do rosto de Suvarna, que estava se aproximando. Madalena age completamente por impulso, sem tentar pensar muito na razão de que Suvarna possa estar lhe atacando. Sem perder tempo com a garrafa térmica metálica na mão, Madalena bate na cabeça de Suvarna, quebrando o suporte em que segurava, porém a pancada com a garrafa sequer a fez se mexer.

Suvarna leva as mãos no rosto, o chá não estava quente o suficiente para uma queimadura séria, mas mesmo assim lhe causou dor a fazendo parar e esfregar os olhos enquanto xingava e praguejava em sua língua nativa contra Madalena, que, sem perder muito tempo, buscando um objeto mais pesado para se defender, agarra a cadeira próxima e a acerta em Suvarna. A cadeira se choca contra a lateral do corpo daquela mulher enorme e se parte sem que a gigante mova-se um centímetro, tamanha a diferença de peso.

Alana - HAHAHAHA! Frábært! - Alana vibra do lado dos beliches, batendo palmas. Madalena está completamente confusa, sem saber o que fazer, pois a cadeira que usou se desmanchou no corpo de Suvarna como se aquela mulher gigante fosse feita de rocha.

Madalena pega então uma caneta que estava em cima da mesa e a guarda em seu bolso, caminhando para trás com uma postura defensiva, aguardando que sua adversária recupere a visão.

Suvarna, após voltar a enxergar o suficiente, avança novamente em direção a Madalena, com o braço arqueado para trás, pronta para desferir um soco, Madalena consegue escapar do soco aproveitando agora o espaço que tinha em sua volta.

Após o longo soco de Suvarna balançar no ar, Madalena se dá conta que o tamanho colossal de Suvarna só a ajudava-a se ela conseguisse segurá-la, porém, este mesmo tamanho a fazia ter desvantagem em velocidade, o que Madalena tinha de sobra.

Madalena, ainda com sua postura defensiva, usa seus passos rápidos para se afastar de Suvarna, que avança novamente contra ela. Entretanto, Madalena, agora contando os passos de Suvarna, e, pouco antes que seu pé esquerdo toque o chão, desfere um poderoso low kick com sua perna direita, usando o coturno pesado que estava vestindo. Suvarna imediatamente perde completamente o equilíbrio e desaba. Em um movimento rápido e contínuo, Madalena invertendo sua base, usa a perna direita para desferir uma forte joelhada no meio do rosto de Suvarna que agora estava mais abaixada, dando altura para que Madalena acertasse seu rosto. As risadas desenfreadas e roucas Alana que incomodam Madalena, parecem ser ainda mais nocivas para Suvarna, que está vermelha de raiva e de sangue.

Sem dar muito espaço para Suvarna, Madalena novamente consegue sair de seu alcance, depois de Suvarna tentar segurá-la enquanto continha o sangramento de seu nariz, devido a joelhada de Madalena. Suvarna se levanta completamente furiosa e pega um pedaço da cadeira que estava quebrada no chão, facilmente quebra a borda da madeira com a mão, fazendo uma ponta quebrada. Madalena rapidamente, pega a caneta que tinha no bolso como se fosse uma faca.

- ¡Basta! O que vai fazer se a Madame Gulnara ver nós duas, machucadas e feridas como se a gente tivesse tentando se matar? Huh? - Pergunta Madalena, apontando a caneta para Suvarna, enquanto circula por ela formando uma posição defensiva.

Suvarna para de caminhar, calada, com várias veias saltando em sua testa. Furiosa ela desfere um soco forte na parede e suspira, com a cabeça na mesma parede em que havia dado o soco. Depois se vira com um sorriso no rosto ensanguentado.

- Você tem razão meu amor! Dhan'yav?da! Explicar isso realmente seria trabalhoso. Mais cedo ou mais tarde a oportunidade de te matar vai aparecer e vou fazer com que pareça um acidente. Hahahahaha! - Diz Suvarna, enquanto caminha em direção aos pedaços da cadeira que estavam no chão, recolhendo um a um. Madalena continua na mesma posição, segurando firmemente sua arma improvisada enquanto Suvarna caminha em direção ao banheiro, após entrar, Madalena desaba aliviada colocando a mão na cabeça.

- Ah princesa, que sem graça. Achei que vocês realmente fossem se matar, estava quase empolgada para me juntar a vocês hahahaha… - Diz Alana se voltando para seu entalhe e sua faca, com um sorriso largo e torto no rosto.

- E você o que diria caso isso acontecesse? - Pergunta Madalena com um tom de raiva e cansaço na voz.

- Simples, diria exatamente o que aconteceu. Aquela maluca sentiu ciúmes da Gulnara e te matou hahaha! E você camarãozinho pequeno não conseguiu se defender, isso pouparia você de ser capturada viva amanhã hahahaha!

Madalena balança a cabeça inconsolada, sabendo que não está segura em qualquer lugar que esteja. Não pode nem por um instante relaxar e se recuperar de seus machucados e caminha até um dos beliches, desabando na cama exausta.

- Um conselho peixinho. Durma com um olho aberto e o outro fechado, porque aquele tubarão gigante provavelmente vai tentar te pegar quando você estiver dormindo hahahaha!! - Sussurra Alana, da cama ao lado, enquanto entalha novamente sua peça de madeira.

Cansada, Madalena não sabe se agradece pelo conselho, ou se fica ainda mais nervosa com o aviso vago de Alana. Nem um pouco de sua consciência acreditava que Alana estava preocupada com ela e talvez estivesse falando aquilo só para a fazer ficar ainda mais cansada. Porém apesar da voz rouca e deformada de Alana, Madalena consegue perceber que Suvarna realmente poderia fazer isso, tirando então de seu bolso a caneta e a segurando firme embaixo do travesseiro que recostou a cabeça, aquela noite certamente seria bem longa para ela.

3

A longa noite de Madalena, inicia-se depois que Gulnara retornando ao alojamento, e a jovem, fingindo dormir, pode ouvir que usariam o carro dos traficantes e que Alana usaria uma roupa balística fornecida pelo empregador, Alana recusa, mas ordens são ordens, pelas palavras da própria Gulnara. Madalena passa toda a noite sem conseguir fechar de verdade seus olhos, sempre com a impressão de que está sendo observada e mesmo com a presença de Gulnara que também estava no alojamento, sentia que a gigante Suvarna realmente a poderia tirar sua vida e colocar a culpa em algum acidente idiota, ou até nela mesma.

A noite passa, sem que Madalena receba raios de sol no rosto, em 7 horas de sono, provavelmente dormiu apenas duas horas e meia ou três no máximo. Levantando no susto, ela vê as três mercenárias diante da mesa acertando os detalhes da missão e sem saber que horas são ela apenas se levanta e vai ao banheiro. Enquanto ela se preparava para sair, Gulnara esperava por ela perto da porta.

— Senhorita Madalena, por favor, me acompanhe. Temos algo para conversar, em particular. Disse Gulnara, sem olhar para a jovem.

Assim, Madalena acompanhou Gulnara até uma sala lateral do abrigo subterrâneo. Nela havia equipamentos para treinos físicos, além de caixas com armas e outros itens. Parecia ser uma mistura de depósito e academia. Nesse momento, Gulnara tira sua vestimenta pesada. Madalena percebeu que pelo estilo daquela roupa, provavelmente ela deveria ter alguma blindagem. Gulnara estava com uma roupa muito parecida com as que Madalena usava em suas lutas profissionais, um top e um short para lutas. O físico da senhora era invejável, e Madalena pôde perceber que Gulnara tinha não só os músculos quanto as cicatrizes que demonstravam o quanto era experiente e preparada para combates. Estava claro que as duas não teriam apenas uma conversa, e Madalena, ainda sentindo dores pelo confronto com Suvarna, e apreensiva por lutar com alguém que ela verdadeiramente temia, estava tensa como nunca esteve antes.

Após colocar luvas, Gulnara entrega um par a Madalena.

— Madalena, creio que seja necessário que eu te explique melhor meus motivos para ter trazido você para este grupo. É importante que entenda seu papel e porque decidi que você era a pessoa adequada. Pode parecer confuso no momento, mas minha experiência me ajuda a reconhecer uma candidata promissora quando vejo uma.

— Fazemos parte de um grupo muito restrito. Nós vivemos às margens da sociedade, mas não confunda isso com uma ideia de fraqueza ou limitação. Nós ajudamos a delimitar como as sociedades operam, através do uso preciso do maior poder que a humanidade tem a seu dispor. Violência. Você pode fazer parte dos lobos que guiam os cordeiros para onde os líderes desejarem. Mas, como um lobo, você nunca mais estará submissa às mesmas regras. Ao entrar neste grupo, minha khüükhed, você deixará de viver como os outros. Mas, existem riscos, e se não estiver pronta para encarar esses desafios, você vai se tornar um alvo. Estará sozinha, e em um mundo de predadores, você se torna uma presa fácil. A experiência com a Senhorita Suvarna foi apenas uma pequena amostra do que está por vir, entretanto, a maneira como conseguiu mediar a situação, posso dizer que fiquei... Intrigada. E agora que já chegou até aqui, você tem dois caminhos, e só um deles tem um futuro.

Neste momento, Gulnara avança sobre Madalena com um jab de esquerda, que tinha uma velocidade surpreendente. Madalena tentou reagir, e conseguiu se esquivar, por muito pouco. A jovem estava alerta para o combate, mas não o suficiente.

— Degjin… Gulnara parecia satisfeita com a reação de Madalena, mas antes que a jovem pudesse demonstrar alguma intenção de contra atacar, a experiente lutadora já tinha conseguido recuperar seu equilíbrio, se moveu rapidamente e agarrou Madalena pelo abdômen, levantando a moça com facilidade, aplicando um suplex, jogando-a de lado no tatame, que, para sorte da lutadora, era suficientemente acolchoado com uma cobertura de lona e raspa de pneus, uma combinação que Madalena conhecia bem.

— Puñeta! Argh! Desgraç… Antes que Madalena pudesse continuar, Gulnara aplicou na moça um mata-leão pelas costas, usando suas pernas para limitar os movimentos de Madalena, sem dificuldade. Nessa situação, percebendo a força do golpe de Gulnara, Madalena bateu três vezes no braço de Gulnara, mas, para o desespero da lutadora, isso só fez com que ela aumentasse ainda mais a pressão que estava aplicando, e Madalena realmente não conseguia mais respirar. O pânico parecia se estabelecer em sua mente, mas algo a trouxe de volta à lucidez, e ela começou a buscar maneiras de se liberar. Suas tentativas foram uma a uma canceladas por Gulnara, mas a vontade de sobreviver de Madalena parecia ser a única coisa em sua mente naquele momento. Infelizmente, a falta de oxigênio estava afetando seus movimentos, e por alguns instantes, Madalena percebeu que poderia mesmo terminar seus dias naquele buraco, com sua vida completamente fora do seu controle. Isso deu a ela um último impulso, que a permitiu acertar uma cotovelada forte na região do fígado de Gulnara, e, embora isso a levou a reduzir temporariamente a pressão que aplicava sobre seu pescoço, não foi o suficiente para fazer a velha combatente soltá-la, e a pressão retornou em poucos segundos. Assim que Madalena começou a perder a consciência, Gulnara a solta de sua submissão. Enquanto a jovem parecia lutar para buscar o ar que lhe faltava, Gulnara se levantava, parecia que o esforço não a afetou, mas demonstrava ter sentido o golpe desesperado que Madalena conseguiu acertar.

— Está claro que temos um longo trabalho pela frente, mas você tem o espírito para este tipo de trabalho. Entenda, Madalena, as suas lutas, de agora em diante, não tem regras, não terão aviso, e podem acontecer em qualquer lugar. Sua vida não estará mais em segurança. Nem mesmo dentro deste grupo, a não ser que possa provar sua utilidade.

Depois de se recuperar, uma mistura de raiva e desespero tomou conta de Madalena, que caça Gulnara com o olhar. A expressão em seu rosto é a de alguém que mataria se pudesse, mas Madalena aprendeu com seu pai que era preciso controlar suas emoções nesses momentos. Ela já falhou muitas vezes, mas agora percebeu que precisava se manter calma para se manter viva.

— O que porra quer de mim, Gulnara? Você me traz pra um buraco que eu não conheço, me faz executar uns merdas e quase me sufoca. Deve ter alguma razão, imagino, ou você faz isso pra se divertir.

Com um olhar frio e preciso, Gulnara encarou Madalena, que ainda estava no chão. A jovem sentiu medo, mas não estava em condições de se render a esse sentimento. Ela precisava lutar por sua sobrevivência.

— Nikita, sempre atenta, como uma ave de rapina, consegue encontrar as melhores agulhas em qualquer palheiro. A habilidade dela em conseguir informações é valiosa. Gulnara parecia mais distraída, como se tivesse se lembrado de algo.

— Eu tinha muita confiança de que você iria obedecer minhas ordens na pista de pouso porque fui informada que já tinha passado por uma situação semelhante. Nikita adora conhecer pessoas, é um recurso valioso. Gulnara percebe que suas palavras afetaram Madalena, e decide ir até uma mesa na sala e pega uma par de facas de borracha.

— Eu sei que quando precisou executar o filho daquele criminoso, fez isso para proteger seu pai. Uma atitude nobre, mas quando executou o amigo dele para que não houvesse testemunhas, você foi prudente. Admirável, para alguém de sua idade. Quando vi a maneira como usou aquela pistola, ficou claro que não terá facilidade com armas de fogo, mas você parecia muito mais confortável com caneta, mesmo contra alguém como Suvarna, portanto, iremos focar no treino com lâminas.

Madalena, ao ouvir que seu passado estava exposto para alguém como essa mulher, além de perceber que seus passos estão sendo sempre monitorados, se sentiu completamente indefesa. Essa mulher tinha domínio sobre ela. A moça que já tinha vencido tantas lutas, parecia tão fraca.

— Você irá treinar diariamente com a senhorita Nikita de agora em diante, para que seja apta no seu papel dentro deste grupo, e quem sabe possa até conseguir algum respeito por parte das suas companheiras, pois sabemos que suas noites de sono não tem sido das mais tranquilas. Disse Gulnara, enquanto vestia seu uniforme e abria a porta da sala para que Nikita entrasse. Os olhares delas se encontraram, e logo depois, Nikita, a aparente bartender, olhou para Madalena como quem julga um item.

Nikita, mesmo com apenas um braço, sabia demonstrar ser ameaçadora. Sem gastar nenhum segundo com Madalena, ela foi até uma das mesas e pegou uma faca de borracha, e jogou para Madalena, enquanto empunhou outra.

— Me chamo Nikita. Gulnara avisou que você era boa com chutes e socos. Com seu tamanho, socos e chutes não são o suficiente para o que vai enfrentar. Nikita parecia tratar aquela situação como um treinamento rotineiro.

Madalena se levanta e experimenta o simulacro em sua mão. Parecia ter um peso similar ao de uma faca real.

— Ela quer que eu te treine no uso de facas, para aproveitar sua agilidade. Vai perceber a utilidade das lâminas, se conseguir aprender. Nikita estava pronta para começar.

Madalena tentava se posicionar como Nikita, fazia muito tempo desde que ela teve um instrutor, e nunca uma instrutora.

— Mas, você quer mesmo fazer isso com apenas um braço? É meio injusto, não acha? Madalena queria tentar se impor de alguma maneira, depois de tudo que aconteceu.

- Então, pegue leve. Madalena sentiu que Nikita tinha um senso de humor escondido. Isso lembrou ela um pouco do pai, e a deixou mais confortável. Talvez ela soubesse como lidar com ela.

Os treinamentos com Nikita foram intensos, mas os resultados eram perceptíveis. A ex-militar sabia muito bem como extrair da jovem o que ela achava necessário, e Madalena estava usando esses momentos para tentar focar em como ela poderia usar esses conhecimentos para se preservar naquele ambiente. Quando as mulheres sumiam, provavelmente em alguma missão, Madalena aproveitava para treinar seu corpo. Memórias das sessões com seu pai sempre vinham na sua mente nesses momentos. A saudade era grande, mas algo dentro dela dizia que seu pai sentiria orgulho dela ali.

Naquela noite, Madalena sonhou com ele e sua mãe. Ela não pensava muito nela, mas isso por que ela não teve muito tempo para conhecer sua mãe, que foi morta por militares em Cuba. Ao menos é o que o pai dela lhe contou.

Depois de uma noite de sono um pouco melhor, Madalena se levanta e vai ao banheiro. Depois de lavar bem o rosto e comer o resto da ração seca que havia deixado dentro de seu kit militar, ela ouviu uma comoção e retorna para o salão onde estão todas reunidas, inclusive a mulher que havia visto antes, Nikita, a barman e, de certa forma, gerente do grupo. Era curioso como uma mulher que tinha apenas um braço conseguia ser tão versátil. Madalena havia tentando conversar com ela, mas ela evitava, dizendo que não tinha tempo para ela, ao menos ainda.

Mas focando novamente nas outras mulheres, a cena parecia peculiar para Madalena. Suvarna exibia orgulhosa uma roupa escura, que, independente de seu tamanho, iria ajudá-la a se esconder em locais escuros, feito de um tecido muito flexível e aparentemente resistente. Mas o que chamou bastante a atenção realmente foi a roupa que Alana deveria usar, um grosso colete a prova de balas cheio de alforges com granadas e facas, calças com proteções em todas as articulações e uma camisa com malha balística escurecida com proteções adicionais em kevlar nos ombros, antebraços e cotovelos, Gulnara está com a mão na cabeça, exibindo cansaço por provavelmente estar horas e horas tentando convencer a mulher musculosa a usar aquela proteção.

- Ahh… vamos Alana. A armadura não vai acabar com sua “diversão”. Temos uma missão a cumprir e não quero que você corra riscos desnecessários. - Gulnara tira a mão da cabeça e ao que parece, diferente da forma que tratava Madalena fazendo uso de autoridade, contra Alana isso não funcionaria, fazendo uso agora de sua persuasão - Lembre-se que se você é quem vai correr o maior risco e se morrer agora, vai perder a oportunidade de ir em outros conflitos ainda mais perigosos. - Completa ela.

Alana - Aah Helvíti! Ok ok… eu vou usar essa porcaria! Olha só isso! - Reclama ela levantando um colete grosso e pesado. - Agora só falta você me falar que quer que use uma arma. - Completa, jogando o colete na mesa, a barman das cicatrizes olha indiferente, enquanto acerta uma bolsa cheia de explosivos para entregar a Gulnara, sem exibir qualquer emoção.

-“Não há necessidade”, soltou Gulnara com um sorriso, se dirigindo agora a Madalena, para lhe entregar suas instruções e mostrar o veículo.

Naquele longo dia, Madalena tentou evitar o máximo de contato com Suvarna e focou nas instruções de Gulnara.

Depois de explicar os detalhes relevantes, Gulnara deu ordens ao grupo.

— Vocês três podem continuar com as preparações, Nikita vai passar a vocês mais alguns detalhes e equipamentos.

Algo que lhe chamou a sua atenção, foi a ordem de que caso visse que Alana estivesse saindo de controle, ela deveria usar os meios necessários para não deixar que ela morresse, pois ela era necessária. Tal atribuição não poderia ser confiada a Suvarna, disse ela, pois sabia que as duas entrariam em um conflito desnecessário, que poderia custar a missão.

Chegado o momento da partida, Gulnara se dirige juntamente da barman até a saída do bar onde as três estavam se preparando para entrar no carro. Alana estava imponente com a armadura militar cheia de proteções nas articulações, Suvarna por outro lado com sua roupa especial, devido ao seu tamanho, não parecia nada com uma infiltradora, mas de forma curiosa, não fazia qualquer som ao andar, provavelmente porque já deveria ter tido experiência com infiltrações e assassinatos em seu currículo.

A postura das duas durante o trajeto muda um pouco, Alana está estranhamente séria apontando as direções para Madalena, que também veste uma roupa balística, menor do que a de Alana. Suvarna se mantém completamente calada durante todo o percurso. O carro no momento em que foi usado por Gulnara no dia anterior, foi modificado estando agora com os vidros escurecidos. Depois de aproximadamente 20 minutos de estrada, elas veem entre algumas casas abandonadas e em ruínas, a dita base dos rebeldes. Madalena manobra o carro e consegue entrar em uma garagem abandonada na qual Alana lhe aponta, Alana já conhecia aquele lugar pois o tinha visto com Gulnara anteriormente.

- Então, iremos fazer como combinamos? Vocês duas irão distrair os guardas, enquanto eu me encarrego de explodir os pontos. Certo? - Pergunta Suvarna saindo do carro com um sorriso no rosto.

- Eu irei ficar no carro. Esse não foi o combinado. - Responde Madalena abrindo a porta do veículo e ficando de pé ao lado. As três se entreolham e Alana vai andando até a porta da garagem, olhando para fora.

Alana - Hehehe… On aika! Vamos trabalhar… - diz Alana caminhando para fora em direção a entrada da base.

Madalena não para de encarar Suvarna que vai caminhando para fora sorrindo, também olhando para ela. As duas vão caminhando se distanciando da garagem escura, Madalena então resolve subir um pouco as ruínas, para ter um acesso melhor a visão de todo o ambiente. A base dos rebeldes então é vista por ela, parecia um acampamento militar com algumas construções camufladas e um prédio destruído que ela não conseguia ver por dentro.

Ela pode contar aproximadamente seis guardas em patrulha e talvez mais que ela não conseguiu identificar bem, por estar escuro e não estar usando ferramentas para isso, mas não era a função dela de qualquer forma. Madalena não consegue ver Suvarna também, que provavelmente já havia adentrado em alguma das construções abandonadas que circulavam o local. O prédio em ruínas que se localizava atrás do acampamento, provavelmente era o “ponto C” que Gulnara havia falado. Madalena pega um comunicador e tenta entrar em contato com suas duas parceiras.

- Vocês estão na escuta? - Pergunta ela, tentando conter o nervosismo.

- Calada idiota! - Responde imediatamente Suvarna.

- Hehe.. tá me assistindo princesa? Aproveita o show e não me atrapalha. - Ironiza Alana que já estava bem próxima dos guardas que já tem contato visual com ela.

Ao ser vista, Alana se aproxima jogando um cassetete, uma pistola e algum outro objeto no chão, Madalena não consegue ver ou ouvir bem, mas pode perceber que Alana está de braços abertos rindo alto.

Um guarda mantém Alana sob a mira de uma arma e ela permanece com as mãos pra cima. Mais outros guardas chegam e a cercam, Madalena entende algumas poucas palavras, mas parecia que Alana estava desafiando os soldados da base. Os guardas riem e olham uns para os outros.

De repente, um dos guardas que está mais próximo, circula Alana e os dois começam a lutar. Os outros vibram e gritam alto, enquanto eles partem para a briga. Alana facilmente o derrota depois de poucos golpes e solta sua gargalhada áspera e rouca, os homens gritam junto dela. O soldado derrotado no entanto, submissivamente sai como um cachorro com o rabo entre as pernas evitando contato visual com a enorme agressora.

Logo após esse, outro avança contra ela e o combate continua. O novo combatente joga o fuzil para o colega e tira um colete exibindo um físico superior ao do companheiro derrotado. Alana em tom provocativo aparenta assobiar para o homem e exibe sua língua bifurcada, todos a olham com estranheza, mas mesmo assim o combate se inicia e ambos começam a trocar golpes. Madalena tenta entender o que está acontecendo, mas Alana realmente estava cumprindo com o que havia sido determinado a fazer, toda a base estava a assistindo, aproximadamente dez homens estavam a cercando e a vendo lutar, sabendo ainda que pelo físico monstruoso de Alana, ela certamente estava ganhando tempo sem terminar o combate contendo sua agressividade e impulso pela violência.

Passados alguns minutos, finalmente ocorre a explosão. Madalena rapidamente desce de onde estava e liga o carro, o manobrando rápido para a saída, perdendo Alana de vista completamente. Poucos segundos depois Suvarna surge das ruínas próximas olhando para a entrada da base inimiga.

- Pronto, vamos embora! - Diz Suvarna em tom autoritário, ela já abrindo a porta do carro e se preparando para entrar no banco de trás do veículo.

- Mas a Alana ainda está com os soldados, eles provavelmente a cercaram com... - Tentando argumentar com Suvarna, para cumprir as ordens dadas por Gulnara de que ninguém ficaria pra trás, Suvarna imediatamente interrompe Madalena.

- Escuta aqui verminho! Eu já cumpri com minha parte do objetivo e não vou ficar pra trás com essa masoquista. Se você quiser ajudá-la, vá sozinha! Aproveite e morra com ela. - Diz Suvarna se aproximando de Madalena como se fosse atacá-la. Tiros são ouvidos pelas duas.

Madalena balança a cabeça negativamente e abaixa sua balaclava cobrindo todo o rosto, “espere aqui”, diz ela com autoridade correndo na direção do ponto em que Alana estava, saindo da presença de Suvarna.

Ela avança e o grupo agora estava mais ao fundo na construção, ela vai se esgueirando pelos escombros e percebe que o número de guardas diminuiu, mas dois deles estão com Alana sob a mira de armas e um homem gigante está lutando com ela. O homem grande e musculoso tem altura e físico superior ao de Alana que por si só já era monstruosa, vestindo uma roupa militar e uma roupa com proteções semelhantes a dos outros soldados, diferenciado apenas no tamanho e na quantidade de placas à prova de balas. O homem veste uma touca escura que esconde parte de sua cabeça até as orelhas e sua barba longa e negra decora seu rosto até o pescoço. Com sinais de que está ferida, com cortes e provavelmente os tiros que havia ouvido antes, o homem a estava torturando, com certeza para que revelasse algo sobre quem havia atacado a base, Alana por outro lado, apesar de machucada, sorria para o homem que lhe atacava cada vez mais forte, e ele também aparentava se divertir.

Se aproveitando da distração e com pouco tempo para reagir, a jovem pensa em criar uma distração para que Alana consiga sair daquela situação e ambas pudessem fugir até o carro. Madalena então grita por Alana, atraindo a atenção dos três rebeldes que estavam no local. Imediatamente Alana avança contra o homem gigante que estava lutando com ela, desferindo um forte soco direto em seu rosto, o homem se desequilibra e cai em cima de alguns galões de metal próximos. Imediatamente, Alana retira de uma bainha em sua perna sua faca tática e lança contra um dos guardas que estavam com ela sob a mira de sua arma, a faca pega de forma certeira no pescoço de um dos rebeldes. O outro aponta novamente a arma para Alana, apavorado com o companheiro engasgando com o próprio sangue no chão dá uma rajada de tiros, todos pegando em seu colete a prova de balas mas ainda sim a fazendo cair.

Madalena sem pensar muito, avança na mesma hora contra o guarda que ainda estava com a arma na mão e antes que pudesse mirar nela, puxa a faca do pescoço do rebelde que ainda agonizava e se debatia sufocado com a faca no chão e pula sobre o outro usando o joelho na direção do seu rosto e assim que ambos tocam o chão Madalena apunhala firme o peito do homem e retira rapidamente a faca fazendo o sangue jorrar sobre ela.

Apesar de trêmula, Madalena está firme e sua adrenalina está alta. Seu coração parece querer pular pra fora de seu peito, mal percebendo que o homem gigante golpeado por Alana acabara de se levantar. Ele começa a gritar palavras que Madalena não entende, mas imediatamente assume uma posição defensiva com a faca em mãos. O homem avança contra ela, mas antes que pudesse chegar perto o suficiente, uma nova explosão ocorre relativamente próximo de onde estavam, fazendo com que todos caiam no chão. Por um instante, Madalena é lançada para longe e antes que pudesse se levantar o homem gigante com o rosto barbudo pingando sangue tenta sufocá-la com as mãos, enquanto ainda estava no chão. Ela se estica e se arrasta para alcançar a faca que não estava tão distante dela, mas antes que pudesse pegá-la Alana avança de forma desengonçada acertando o homem e caindo por cima dele. Os dois começam a lutar no chão, enquanto Madalena se levanta desorientada, Alana finalmente depois de alguns golpes, consegue segurar o homem pelas costas aplicando um mata leão:

- Vamo morena!! - Grita Alana para que Madalena pegasse a faca e finaliza-se o homem. Que se debatia dando cotoveladas e socos tentando afastar Madalena e fazer Alana lhe soltar.

Sem pensar muito, ainda levada pelo susto Madalena pega a faca que estava perto dela e avança sobre o homem que se debatia. Ela desfere uma série de facadas em seu peito e abdômen, espirrando sangue sobre seu rosto e o fazendo jorrar em Alana igualmente. Sob o frenesi perdendo a conta de quantas facadas já havia dado, Madalena sente a grande mão de Alana segurando seu pulso com força considerável, a impedindo de continuar as punhaladas. O rosto coberto de machucados e sangue de Alana sorri para Madalena.

- Curtiu né, bombom? - Alana exibe seu sorriso torto e ensanguentado. Madalena retira a balaclava pingando sangue de seu rosto, suspirando aliviada e estranhamente devolve o sorriso para Alana, mas antes que pudessem falar qualquer coisa, uma nova explosão acontece. Madalena é arremessada mais uma vez para longe perdendo a consciência.

Após ser arremessada, Madalena consegue ver por poucos segundos a figura gigante de Alana se aproximando dela, mas após isso sua visão fica escura perdendo completamente a consciência novamente.

Madalena abre os olhos finalmente, assustada, ela vê o teto do beliche e se senta na cama em um impulso. Ela está novamente dentro da base, Gulnara está sentada próximo da mesa e Suvarna está a acompanhando, juntamente da mulher vestida de barman. Alana está ao seu lado, sentada com uma faca na mão, entalhando a madeira. Seu corpo inteiro doi.

- Vai com calma ai bombom! Na noite passada você virou uma boneca de pano, foi jogada de um canto pro outro. Rentouttaa, hahaha. - Diz Alana, parando de entalhar a madeira se virando para ela, colocando a mão em seu ombro.

- Vejo que acordou senhorita Madalena. Fico feliz que tenha conseguido sobreviver a sua primeira missão. Parabéns. - Se aproxima Gulnara que apesar de falar felicitações, está com uma expressão completamente sem emoção no rosto.

- Aaaah querida!! Fiquei tão preocupada com você!! Você voltou para onde Alana estava e demoram tanto, acabei tendo que voltar para a base sozinha!! - Diz Suvarna com forte tom de preocupação, Alana solta uma risada irônica e Madalena fica em silêncio, não conseguindo conter sua expressão de raiva que é percebida até por Gulnara.

- Pois bem. - Interrompe Gulnara, ignorando as provocações feitas entre o grupo - Concluímos nossa missão por hora e vamos precisar ficar escondidas durante algum tempo até que a poeira abaixe um pouco. Nós três iremos nos encontrar com o contratante enquanto vocês ficam aqui na base para descansar. Aproveitem. - Encerra Gulnara se dirigindo a porta indo embora com as duas mulheres.

As três saem e Alana volta para seu entalhe de madeira sentada ao lado de Madalena, que volta a deitar tocando o corpo se queixando silenciosamente das dores. O silêncio que dura poucos minutos é interrompido por Alana.

- Porque voltou bombom? Você poderia ter ido embora. - Pergunta Alana parando de entalhar a madeira e se voltando a Madalena com um estranho tom de seriedade.

- Bem… a senhora Gulnara me disse pra ficar de olho em você.. ai.. depois que ela quase me vendeu, não quero correr o risco de contrariar ela.. e pra falar a verdade, voltar sozinha com aquela louca gigante no carro parecia mais perigoso do que te procurar. Ha! - Responde Madalena se contorcendo um pouco com dores na costela.

- Hahaha aquela vadia nos deixou pra morrer e disse pra Gulnara que demoramos demais, por isso que foi embora. Você precisava de ver a cara de decepção dela quando eu voltei carregando você, ela quase explodiu de raiva. - Ironiza Alana dando sua risada áspera.

- Como conseguimos voltar? - Pergunta Madalena se sentando novamente na cama com expressão de dúvida.

Alana - Bem… depois que você matou aquele turco, houve uma nova explosão. Você voou uns 7 metros de distância e perdeu a consciência, depois disso eu te carreguei até onde o carro estava. Mas a Auðumbla foi embora com ele. Eu continuei andando por algum tempo, até ver uns idiotas olhando os fogos. Eles ficaram tão entretidos que nem viram eu pegar o carro hahaha.

- Hija de puta… - Reclama Madalena segurando sua costela.

- Haha.. você curtiu né bombom? Naquela hora. Ter se soltado com aqueles caras hehe. Quando você chegou aqui, parecia um cachorrinho abandonado, agora parece que vai morder a jugular de alguém a qualquer momento. - Alana parece estar com os olhos brilhando admirada, Madalena por outro lado, está indiferente sentada ao seu lado.

- Eu.. eu só fiz o que era preciso. Eu preciso sobreviver. - Diz Madalena com os olhos distantes.

- Então, o que foi que você deixou pra trás? - Pergunta Alana parando de entalhar e colocando os cotovelos sobre o joelho, se curvando. - Você tem cara de quem foi arrastada obrigada pra essa coisa toda. De forma engraçada a figura gigante e musculosa de Alana se curva para se aproximar de Madalena, exibindo por todo seu corpo uma série de ataduras. Na região dos seus seios, apenas uma atadura grossa os mantém escondidos e apertados por estar sem camisa.

- É sim… - suspira Madalena - Não é uma história tão longa. Eu vivia em Moscou com meu pai. Me interessei por lutas ainda nova vendo filmes e ele viu que eu tinha talento pra isso. Passei a treinar durante anos com um amigo dele e me envolvi em muitos eventos esportivos e comecei a chamar muita atenção. Um pendeho filho de um mafioso me confundiu com uma puta... - Madalena faz uma pausa pra respirar e beber um pouco de água numa garrafa próxima, ao xingar Alana sorri e dá uma risada, mas continua atenta a história, ainda curvada pra ficar da sua altura. Madalena continua - … fui obrigada a quebrar as costelas dele depois disso. O pai dele não gostou e convidou alguns criminosos pra me caçar… e bem… a Gulnara me ofereceu segurança. - Completa Madalena cabisbaixa. “Sinto falta do meu pai”, complementa desfazendo o olhar de raiva dando lugar a um pouco de tristeza.

Alana embainha sua faca gigante e lhe entrega seu entalhe, uma cabeça de lobo entalhada em madeira, estranhamente bonita. Madalena sorri e agradece o gesto.

- Eu gostei de você bombom. No começo você não tinha cara de quem sobreviveria um dia, mas você me surpreendeu. E isso é uma tarefa difícil hehehe... agora você é uma úlfur de verdade. - Diz Alana apontando para o entalhe de madeira, agora de pé exibindo também uma série de cortes costurados e ataduras pelo corpo n

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