Capítulos (1 de 1) 02 May, 2018

O Guerreiro e a Paz

Os seres humanos estão constantemente em busca da paz. Não obstante, por “ironia do destino”, fizeram duas guerras mundiais, além de várias outras ao longo da história. Não pretendemos apresentar aqui meramente nossas opiniões, mas, contar a história de três homens que buscavam a paz num mundo onde entidades como a própria paz, guerra, ódio, medo, solidão... ganham forma física.

Tudo começou quando um guerreiro se apaixonou perdidamente pela Paz. Ao que tudo indica ela também o amava. Os dois viveram um romance anos a fio. Até que a Guerra se iniciou no mundo e com a chegada dela fez ir embora a Paz. O guerreiro chorou amargamente com a partida. Após lamentar-se muito, sua atenção se voltara para um vilarejo que arde em chamas. Rapidamente ele parte para lá com o objetivo de salvar algum ferido. Todavia, quando chega ao vilarejo fica estarrecido com tamanha crueldade. Nem as crianças foram poupadas. Foram mortas e penduradas em estacas como uma espécie de aviso. Ao contemplar a cena de horror o guerreiro não volta atrás, tenta encontrar algum sobrevivente. Depois de muita procura finda encontrando um velho debaixo dos escombros de uma casa.

– Ei senhor, você está bem? Pergunta o guerreiro.

– Sim, estou (respondeu o velho), haaa! E as crianças?!

– Crianças?

– Quando o ataque começou, eu juntamente com o padre escondi as crianças num abrigo embaixo da Igreja.

– Então vamos lá imediatamente, respondeu o guerreiro.

Os dois seguem até a Igreja. Ao abrir o abrigo, o velho tem uma surpresa desagradável: as crianças estavam todas mortas. Foram mortas de forma tão brutal que se quer possível identifica-las. O pobre velho chora, se indaga: “e agora, o que farei, sou o último aldeão que sobrou”?! O guerreiro não podia fazer nada. Vira-se para ir embora, mas escuta um choro: é de uma criança. O guerreiro corre, encontra um garoto atrás de uma estátua, e com um sorriso trêmulo no rosto fala ao velho: “veja! Você não é o último aldeão vivo”.

– Obrigado, jovem guerreiro! Se não fosse por você não teria forças para encontrar esse garoto. Deus ilumine o seu caminho!

– Não precisa agradecer! Farei qualquer esforço para trazer Paz de volta. Diga-me uma coisa, senhor: você viu que atacou seu vilarejo?

– Meu jovem, sinto grande aperto em dizer, mas foram os guerreiros do rei Lúcio.

– Não posso acreditar! O rei que assinou um tratado de paz iria atacar uma vila feito essa?

– Também não consigo acreditar. Mas, sem dúvida, foram os guerreiros de Lúcio.

Ao tomar ciência disto o guerreiro sem demora partiu em direção ao reino de Lúcio. Chegando ao castelo, sem dificuldade, o guerreiro logo entrou. Pois, conhecia todas as passagens secretas uma vez que havia trabalhado lá durante uma guerra. O guerreiro entrou na sala do rei, porém, para sua surpresa, o rei não estava lá. No lugar encontrava-se outro homem com a coroa do rei Lúcio.

– Quem é você e aonde está o rei? Perguntou enfurecido o guerreiro com a espada em mãos e em posição de ataque.

– Calma, jovem guerreiro! (Respondeu o moço). Já aguardava sua chegada. Para início de conversa vou logo lhe adiantando: matei as crianças do abrigo, matei também seu querido rei. Aliás, vê-lo suplicando para deixa-lo viver foi bastante prazeroso, hahaha – debochou o novo ocupante da cadeira do rei.

– Desgraçado! Por que matou o rei Lúcio? Foi, por ventura, em virtude do tratado de paz que ele assinou?

– Estou aqui justamente porque vocês humanos não sabem apreciar a Paz.

– Quem é você então?

– Hum! Calma, meu rapaz! Sou aquilo que todos vocês humanos amam e sabem bem fazer. Sou a Guerra, hahaha.... Só irei embora quando vocês aprenderem de verdade valorizar a Paz.

– Isso é o que veremos, declara o jovem guerreiro inconformado. Após essa fala, parte raivoso para cima da Guerra ao passo que ela reage, desaparece diante dele, mas, ligeiramente reaparece e lhe golpeia a nuca. Desacordado o guerreiro, a Guerra pede aos seus guardas que o joguem em algum lugar longe dali. “Mas por que deixá-lo vivo, Majestade?”, perguntou um dos guardas. A Guerra, por sua vez, respondeu: “porque nós dois desejamos a mesma coisa”. Sem mais os guardas acataram as ordens superiores e jogaram o guerreiro numa viela de um vilarejo alhures. Após se retirarem os guardas, um homem de boa aparência surgiu e levou dali o jovem ainda desacordado. Horas depois, bastante atordoado ainda, o guerreiro acordou.

– Ai minha cabeça! (Retrucou o guerreiro).

– Que bom que acordastes, falou o moço que o socorreu. Pensei que tinham aniquilado tua vida.

– Quem é você?

– Sou alguém que pode te ajudar a derrotar a Guerra.

– Como assim? Por que você faria isso?

– Porque ela matou meu irmão. Busco vingança.

– Quem era seu irmão? Espera! Antes, porém, responda-me: quem é você?

– Ufa! Você gosta de fazer perguntas, não é? Tudo bem. Sou Raiva, Ódio, Fúria, ah! Chame-me do que considerar melhor! Meu irmão era Amizade. Eu sei! É estranho! Parece mentira Amizade ser irmão de Raiva. Entretanto, não escolhemos nossa família, escolhemos?

– Não quero saber sobre sua vida em detalhes. Você disse que poderia me ajudar a derrotar a Guerra. Isso é o que me interessa. De que forma você me ajudaria?

– Hum! Existe uma espada lendária escondida numa montanha que fica no meio do vale do Inverno. Posso leva-lo até lá.

– Deixa ver se entendi (retruca o guerreiro), você é uma entidade como a Guerra e está me dando a localização de uma arma para matá-lo? Se estás tão focado em sua vingança por que não vai você mesmo atrás da espada?

– Porque só os humanos podem usá-la. Se outro ser tocá-la, morrerá.

– O que faz pensar que não vou lhe matar após pegar a espada?

– Não vais me matar. Quero realizar o sonho do meu irmão Amizade: trazer a Paz para o mundo dos humanos. O guerreiro chora ao ouvir o nome da amada.

– Então, indaga o guerreiro, seu irmão morreu enquanto buscava trazer a Paz?

– Sim, responde Raiva. A Guerra sempre desgostou da Paz. A presença desta faz com que aquela deixa de existir. Não há espaço para a convivência das duas. Quando se tem uma não tem a outra. O guerreiro parece se ver nos olhos de Raiva. Ambos parecem se entender e chegarem num acordo.

– Leve-me até a espada, decide o guerreiro.

– O caminho até ela não será fácil, sentencia Raiva. Demanda tempo e exige intensos desafios.

Porém, o guerreiro está decidido. Percebe-se, com o desenrolar da jornada, que a personalidade do guerreiro se modifica substancialmente. De moço gentil e correto assume postura semelhante um louco. Possui apenas um objetivo em mente: trazer a Paz. Não importa os meios.

O tempo vai passando e Guerra consegue espalhar o que sabe fazer de melhor: caos e destruição em todas as direções. Deixa intacto apenas um único reino. E não por acaso. Trata-se do reino no qual a Paz apareceu pela primeira vez, mas que também seria destruído em razão dos humanos não saberem cultivar algo tão belo e tão bom. Ao som de trombetas o único reino até então não afetado pela Guerra, como num passe de mágica, é atacado e arruinado completamente. Fato que deixou Guerra imensamente feliz. Fizera aquilo que desejava muito: punir os humanos. Não obstante, enquanto Guerra celebrava a vitória um homem a acertou pelas costas sorrateiramente. Ela se virou rapidamente, mas não havia ninguém. Do nada, contudo, escuta:

– Lembra de mim? Guerra olha novamente e lá está um homem forte segurando uma espada azul da cor do céu.

– Lembra-se de mim, Guerra?

– Da última vez que eu te vi você estava inconsciente sob meus pés, guerreiro.

– Não deveria ter me poupado. Reconhece essa espada?

– Não acredito que fostes capazes de ir tão longe tendo em vista me aniquilar.

– Essas foram suas últimas palavras, Guerra.... Adeus!

Com a velocidade de um raio, o Guerreiro, sem o menor pudor ou compaixão, cortou o peito de Guerra bem ao meio e assistiu o sangue escorrer pelo chão.

– Guardas! Guardas! Clama Guerra.

– Não adianta chamá-los! Nesse momento todo seu exército está sendo dizimado por Raiva.

– Han! Você se uniu à Raiva para me destruir?! Agora está claro. Foi Raiva quem te levou até à espada que pode nos matar. Achou mesmo que ela iria te ajudar? Raiva é mais cruel que eu. Quero trazer a Paz, todavia, somente pela via metodológica da dor, destruição, sofrimento, solidão, infelicidade é possível ensinar aos humanos zelarem por ela. Raiva, ao contrário de mim, deseja apenas destruição.

– Pensa que cairei em sua trama? Morra de vez!

– Hum?! Quanta raiva há no seu coração, guerreiro.

O guerreiro mira Raiva e a interroga:

– Raiva, destruístes o exército de Guerra?

– Não! Os soldados de Guerra estão vivos e vindo para cá. Guerra está certa sobre mim. Só te usei como instrumento para matá-la. Não quero trazer Paz a este mundo. Se eu pudesse a mataria tal como você fez em relação a Guerra. Infelizmente a espada só pode ser usada por humanos.

– Que dizes, Raiva? Enganaste-me?

– Omiti alguns detalhes. Os humanos não são seres completamente racionais. Ao usar essa espada que te ajudei encontrar pagará um preço: perderá sua condição de ser ‘ser humano’ com o passar do tempo. Transformar-se-á em um...

Guerra ao cabo foi destruída pelo guerreiro (ainda humano). Ele tentou também destruir Raiva, porém ela lhe escapou com facilidade. Ele ficou enfurecido por ter sido enganado. Pois, Raiva nada fez para que ele pudesse reencontrar a amada. Desolado vem à cabeça uma ideia: retornar ao vilarejo que fora destruído anteriormente por Guerra e contar com a sorte de encontrar vivos ainda o velho e o garoto. Ambos estavam lá, vivos e esperançosos. Estavam sentados próximos a uma fonte no meio da praça. Todavia, ao avistarem o jovem amigo, tanto o velho quanto o garoto fugiram. Atitude que causou bastante estranheza ao guerreiro. Que fiz?, pensou o guerreiro. Logo, dirigiu-se à fonte e ao contemplar sua imagem refletida na água se deu conta que não mais era um humano: seu corpo estava cinzento e bastante deformado. As palavras de Raiva haviam se cumprido como uma profecia. De guerreiro bravo lutador transformou-se numa coisa estranha, amedrontadora: o Medo. E o final foi trágico: suicidou-se.

Qual reflexão essa historieta pode nos trazer? Por que no desfecho final o guerreiro, mesmo tendo superado Guerra, não reencontrou Paz – sua amada tão cobiçada – e retomou o romance feliz? Como alcançar Paz se Amizade – irmão de Raiva – fora assassinado? É possível encontrar Paz, vencer Guerra, deparar-se com a Beleza, experimentar Harmonia, aliando-se a Raiva, ao desafeto e à espada? Qual consequência se abateu sobre o corajoso guerreiro em virtude de ter utilizado a espada? Há alguma relação entre Medo, Amizade e Paz? Como livrar-se de Guerra, não confiar em Raiva, abrir mão da espada, evitar o Medo e aproximar-se de Paz? Os labirintos em torno da Paz são insuperáveis? Pensemos! É verdade que não há receita pronta para que alcancemos paz. Todavia, talvez, seja fundamental prestar atenção em alguns detalhes. A depender da conjuntura, raiva, vingança, ódio, desavenças, etc., habitam o mesmo condomínio da amizade. O medo, por sua vez, afasta, provoca fugas e causa timidez. A coragem parece ser virtude ante o enfrentamento da guerra. E a espada, indiscutivelmente, nos desumaniza. 

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