Bem-vindo!

Vamos juntos compartilhar mundos.

  • Simples para publicar
  • Rápido feedback
  • Compartilhe com o mundo
/

Ou logue usando:

Esqueceu a Senha?

Capítulos (3 de 23) 21 Nov, 2020

Green: 002

Como lati anteriormente, a antiga Assassina de Youkais era bastante enigmática, mas não era como se ela fosse isolada do resto da Elite. Ela falava. Ela questionava e respondia. Nós chegamos a conversar algumas vezes em ocasiões especiais, e ela aparentava ser somente uma humana comum, ignorando, claro, o fato de ela ser uma assassina de classe superior.

Sua humanidade não a fazia deixar de ser a Assassina de Youkais, afinal.

E, aproveitando que falei sobre nossas raras interações, eu gostaria de compartilhar com vocês uma ocasião especial em que eu, meu mestre e a Assassina, compartilhamos a mesma missão.

Era uma missão de nível internacional.

Fora da Terra do Sol Nascente.

Foi na invernal Rússia, em dezembro de 2014.

— Está sentindo o cheiro de quantos, Ulim?

Quem indagou foi meu mestre, Mena, o Assassino de Dragões.

Embora ele detenha esse título e ocupe esse cargo na Elite, a missão não era especificamente para matar um dragão. Nós estávamos nas terras gélidas daquele país ao norte, e estava nevando um pouco, o que auxiliou a manipulação de realidade de meu mestre a nos deixar invisíveis para as câmeras de segurança e indetectáveis para os radares ao redor daquela antiga base militar. Nós três já estávamos dentro do perímetro controlado deles, e era um caminho sem retorno. Nosso objetivo ali era invadir o complexo e destruir todos os projetos genéticos que os meliantes estavam dando vida naquele lugar.

Um grupo de cientistas estava criando criaturas artificiais com os genes de um certo dragão lendário.

E fomos ordenados a não deixar ninguém vivo para contar a história.

Com essa condição para o sucesso da missão, meu mestre decidiu convocar a antiga Assassina de Youkais.

— São quinze humanos, mestre, disso tenho certeza. Agora, existe um odor diferenciado dos outros, que não consigo distinguir do que se trata, mesmo afirmando que é uma criatura viva.

— Hmph, talvez esses cientistas malucos tenham criado um novo tipo de criatura. O que acha, ????, não é suspeito?

— Sim, meu consagrado Mena, pode ser problema. — A Assassina respondeu sem demonstrar muita preocupação. — Se quiser, podemos nos dividir para acabarmos com os quinze alvos humanos e depois partimos...

— Não, não. Não será necessário. — Meu mestre disse. — Você e Ulim vãos juntos e cuidam dos quinze alvos. Eu vou direto encarar esse desconhecido. Alguma objeção?

A pergunta foi mais para ela do que para mim, e a Assassina não deu nenhuma resposta verbal. Ela somente desviou o olhar de meu mestre, virando o rosto para a base aos pedaços, e aceitando silenciosamente a decisão do Assassino de Dragões.

Ela começou a marchar rumo ao conflito, e eu a segui, como meu mestre requisitou.

Suportando ao frio cortante e acobertados pela manipulação de realidade de meu mestre, nós adentramos no complexo e rumamos, guiados pelo faro, até nossos alvos humanos.

Meu único serviço foi realmente localizar os alvos.

A Assassina cuidou de todos, sem gentileza, cumprindo sozinha com a condição de não deixar ninguém vivo para contar a história.

No entanto...

— Seu pamonha?! Ei, está me escutando?!

E como não escutar? A guria estava clamando com os lábios próximos da minha orelha.

Meus olhos se abriram e, automaticamente, meu corpo pediu em desespero para que eu me alongasse. Porém, aparentemente não seria possível atender aos desejos de meus músculos recém-despertados. Afinal, minha perna estava gravemente ferida. Só de lembrar, a dor decidiu latejar em minha coxa canina.

— Não se mova, Império das Pulgas. Eu estou cuidando do seu ferimento.

Ao meu lado, de joelhos, Yuna me encarava de maneira apreensiva. Seu rosto foi a primeira coisa que meus olhos viram com precisão após meu despertar. Depois disso, as outras coisas ao redor começaram a ficar claras para mim como se o mapa do jogo estivesse terminando de carregar.

Eu logo notei o local onde estávamos. Um grande estacionamento subterrâneo, praticamente vazio.

A guria não estava mentindo quando disse que conseguia me levar nas costas. Não sei exatamente o quanto ela andou com meu corpo, mas é provável que ainda estejamos em Akihabara ou bem próximo. Seguir para longe não seria uma decisão que Yuna tomaria. Se eu a conheço bem, ela deve estar tramando algo para capturar seja lá quem disparou contra mim. E eu também adoraria colocar meus dentes no infeliz.

Em um combate fechado, eu aposto um grande pedaço de carne que o meliante não sairia vivo contra mim.

Mas com minha perna danificada, e ainda com o cansaço acumulado, seria impossível usufruir de minha altíssima velocidade.

Aliás, não era só meu ferimento que estava me incomodando naquele momento.

— Guria, você... me chamou de Império das Pulgas?

— Hã? — Ela desviou o olhar, fingindo estar bastante focada. — Não, eu não fiz isso, seu pamonha.

— Se bem me lembro, antes de desmaiar, você também me chamou assim. Achei que tínhamos um acordo.

— E nós temos, Ulim. Eu já disse que não te chamei desse apelido fofo.

— Não há nada de fofo!

— Eu disse fofo? Perdão, seu pamonha, acho que acabei me distraindo, já que estou bastante focada em costurar o buraco em sua perna.

— Costurar?

Não sei de onde, mas a guria estava com agulha e linha em mãos, realmente costurando meu ferimento. Ela trouxe um kit de primeiros socorros? Se não trouxe, onde e como ela conseguiu um, tão rápido?

— Depois de chegarmos aqui, eu fiz um clone de neve e o mandei comprar um kit na loja de conveniências mais próxima. Ele demorou um pouco, já que teve de ser cauteloso para não revelar nossa localização, mas completou sua missão com êxito.

— Hmm...

Era meio dolorido aquele método um tanto quanto humano, mas devia haver algum motivo.

— Você não poderia só congelar a ferida, guria? Acho que minha regeneração consegue resolver o restante.

— Não será possível, eu já tentei. A magia da adamantina está remanescente em todo seu ferimento. Isso estava derretendo o gelo. Se eu criasse uma camada mais resistente, de qualquer forma, ainda iria dificultar sua regeneração. Eu limpei todo o machucado, e costurar a ferida é o melhor a se fazer nestas circunstâncias.

Yuna sempre foi bem cuidadosa comigo, afinal de contas. Ignorando todas as chantagens, apelidos e a posição que fazia enquanto eu corria com elas nas costas, a guria sempre tentou ser a melhor pessoa possível comigo. Mesmo minha lealdade sendo absoluta ao meu mestre, seria mentira dizer que aquela guria não era importante para mim.

— Só que existem alguns problemas, seu pamonha.

— Como?

— Sua pele é muito resistente, e estava complicado ter algum progresso nesta costura. Então, eu utilizei alguns produtos para tentar deixar as coisas mais fáceis.

— Que produtos?

— Pomada para assadura e talco de bebê.

— E como isso ajuda em algo?!

— Não tão rápido, Ulim. Acredite ou não, isso ajudou bastante. Agora, é como se a região em volta do ferimento estivesse morta. Isso deixou tudo mais fácil.

— O que você está fazendo com a minha perna?!

Eu lati.

E rosnei.

— Calma, seu pamonha, é brincadeira.

Então, meu rosnado cessou, gradativamente.

Ela não mensurava o limite de suas peripécias, não?

— Você realmente não confia muito em mim, não é, Ulim?

— Como assim? Achei que já tínhamos encerrado esse tópico.

— Você acreditou em uma besteira como a que contei agora. Você achou mesmo que eu faria uma coisa irresponsável dessas com meu cachorrinho?

Convivendo por todos esses anos com a Assassina de Youkais, eu aprendi uma coisa: se é irresponsável, ela está cinquenta por cento inclinada a fazer. Como não deve ser surpresa para ninguém, Yuna está longe de ser uma heroína da justiça. E se ela for, será heroína de sua própria justiça.

É, seria uma boa frase para resumi-la, afinal. Yuna Nate é uma heroína de sua própria justiça.

E, a propósito, eu não sou um cachorrinho. Sou um lobo, líder de alcateia.

— O problema, guria, é que você mente muito bem. Assim, faz até coisas estúpidas como essa parecerem criveis.

— Hmph, tem razão. Acho que como sou muito incrível, acabo também me tornando imprevisível aos olhos dos outros. — Sorridente, após se afogar no próprio ego, a guria continuou cuidando de meu ferimento.

— Bem — comecei, para não deixar a conversa morrer —, onde estamos?

— Não está claro, seu pamonha? É um estacionamento.

— Sim, disso eu sei. Mas, quando digo onde, quero dizer a localização exata no mapa. Ainda estamos em Akihabara?

— Kanagawa.

— Quê?! Impossível!

— Mas aconteceu, fazer o quê?

— Não, não! Você me trouxe de Tóquio até Kanagawa, nas costas?!

— Eu te carreguei como um pedreiro carrega um saco de cimento, mas, em outras palavras, a resposta é sim.

Como?! Ela realmente tinha essa resistência, força e aptidão?! Não estaria essa guria trabalhando no ramo errado? Alguém a inscreva para as Olimpíadas de 2020!

— Por quanto tempo eu fiquei desacordado, guria?

— Vinte e dois dias.

— O quê?! Igual a garota que me falou?!

— Sim, sim. Na verdade, melhor. — Yuna tocou um dedo em seu relógio e olhou para seu monitor. — Você bateu o recorde, seu pamonha. Dormiu por trinta e dois minutos a mais. Temos que comemorar de algum jeito, falando nisso. Oh, nós também precisamos mandar um e-mail para o Guinness...

— Guria...

— O que foi?

— Você está mentindo de novo, não é?

— É... eu não sei do que você...

— Maldita! Chega de brincadeiras!

Eu lati, novamente.

E novamente, rosnei.

— Calma, seu pamonha, eu só estava tentando quebrar o gelo.

Era para isso ser um trocadilho?

Bem, eu ignorei.

Assim como da vez anterior, meu rosnado, gradativamente, cessou.

Voltamos à estaca zero.

— Agora, sem brincadeiras, guria. Onde estamos e por quanto tempo eu fiquei desacordado?

— Está bem. — Ela largou a agulha e linha por um momento, pousando as mãos sobre as coxas. — Nós ainda estamos em Akihabara. Para ser sincera, no bairro logo ao lado, em um estacionamento de um prédio comercial. E sobre o tempo que ficou desacordado, foi um pouco mais de uma hora, só isso.

Suspirei aliviado.

Agora eu estava dentro da situação.

— E desde que chegamos aqui, você não saiu em nenhum momento?

— Só o meu clone, como já disse. O que ele me passou do que pôde perceber, é que a movimentação em Akihabara não sofreu alterações após o incidente conosco. Ele também não foi atacado ou perseguido. Ele me deu certeza.

Mesmo se tratando de uma cópia, os clones que os poderes místicos da guria podiam produzir, continham praticamente os mesmos atributos de inteligência, velocidade e força da Assassina de Youkais.

— E então, qual será o próximo movimento, guria? Tenho certeza de que não irá deixar barato o que aconteceu.

— É claro que não, seu pamonha. Eu vou dar um jeito de levá-lo para a AAA e vou atrás de seja lá quem atirou em nós. Ou melhor, em você.

— Hã, você quer ir sozinha?

— Eu irei sozinha. Não é questão de querer. E acredito que, não importa quão habilidoso seja o atirador, ele não terá fibra o suficiente para resistir a um confronto contra mim.

— Você deve estar certa, sim. O atirador pode ter um bom equipamento, mas não deve ser nada além de um humano bem treinado, o que pode torná-lo uma piada contra você. Contudo, guria, isso é só uma possibilidade. Veja, onde um humano comum conseguiria um equipamento como o dele? Um armamento à base de adamantina não se encontra em qualquer loja de conveniência. E também sobre nossa localização. Como ele sabia? Ele estava nos seguindo? Ele estava nos esperando em Akihabara? A pessoa que disparou contra nós, não é uma amadora.

— São bons pontos para se observar, Ulim, mas eu sou mais pragmática. Não pretendo focar na parte do problema onde descubro como ele agiu. O que aconteceu, aconteceu. Seja lá quem for, alvejou meu cachorro com um tiro e tentou matá-lo. Podemos dizer que sou quase o John Wick. Agora, a situação é que você, que já não estava em plenas condições, está ainda pior. E como dos três, dois tiros foram para você, estou considerando que você é o alvo principal. Minha prioridade é mantê-lo seguro. Sendo assim, seguirei com o meu plano.

Durante seu pequeno discurso, Yuna manteve o tom e feição em seriedade.

— Certo, guria. E como pretende me levar até a AAA? Para todos os efeitos, estamos agindo contra um franco-atirador muito bem equipado. Sua ideia é sair comigo sobre os ombros e correr até Saitama, sem chamar atenção alguma, é isso? Ou vai entrar em contato com alguém, como meu mestre, para vir me buscar.

— Tsc, está bem que minha ideia primordial era correr com você nas costas, seu pamonha. Mas fique você sabendo que eu encontrei uma maneira muito simples de resolver isso.

— E qual seria?

— Eu vou chamar um Uber.

— Eles não transportam animais selvagens!

— É, eu sei. Foi exatamente o que o motorista me respondeu. E mesmo eu dando liberdade a ele para tocar meus seios, ele recusou da mesma forma.

— Você ofereceu mesmo isso?!

— Sim. E o normal seria ele ter aceito sem hesitar. Talvez aquele homem em especifico fosse uma pessoa pura.

— Que negou ajuda a um animal ferido?!

— Ah, tem razão, só estava vendo meu lado, seu pamonha. Acho que nesse caso, só acabei não dando sorte. Bem, de qualquer forma, seria difícil colocá-lo dentro do carro, e você estava sangrando bastante.

— Já sei. Por que você não liga para o Tetsu e pede para que ele...

— Não. — Ela me interrompeu com a voz seca e fria como só a filha de Yuki-onna conseguia. — Eu não vou pedir ajuda a ele. E também, ele não está falando comigo direito.

— Hmm, claro, desde o incidente com o detetive esquisito.

— Sim. Ele está bravo porque descobri que ele se apaixonou por mim. Está me evitando. Melhor assim, também. A partir do momento em que ele foi tomado por uma reação química dessa, eu espero que ele fique longe. Afinal, nossa relação era movida apenas por sexo.

Bem-vindos ao mundo adolescente dos dilemas dos meio-youkais. O apetite sexual é maior do que o encontrado na maioria dos humanos. Porém, o orgulho e egoísmo dessa raça híbrida, consegue ser maior do que qualquer coisa, na maioria dos casos.

— Vocês vão voltar a se falar, não se preocupe.

— Creio que não, seu pamonha. Acho que Tetsu vai acabar caindo ainda mais no meu conceito, depois de tudo isso. Ele sempre foi um babaca incurável, mas no dia em que tirou minha virgindade, por alguns minutos, ele agiu como alguém civilizado. E fez um ótimo trabalho.

— Não quero saber dos detalhes!

Macacos me mordam, como a conversa chegou a esse ponto? Quando se é um companheiro canino, ainda por cima líder de alcateia, as pessoas tendem a se abrir bastante para você. Pouquíssimos assuntos Yuna hesitava em falar comigo. Muito de seus segredos também estão guardados comigo, como o de sua passagem secreta que ela criou na AAA para dar suas saidinhas uma vez ou outra. Naquele mês, daquele ano, ela estava usando sua passagem secreta consideravelmente mais do que o habitual.

Até porque, ela estava de castigo.

Ela vinha sendo uma garota bem ousada, se tenho o direito de dizer.

— Guria, vamos voltar a pensar em nossa fuga, tudo bem?

— Fuga? Ninguém vai fugir. Só vamos fazer uma retirada estratégica, seu pamonha. A diferença é grande, aprenda. E, como disse, já está decidido, vou levá-lo nas costas.

— Isso não vai dar certo!

— Claro que vai. Contanto que esteja comigo, Ulim, nada dará errado, no final. Eu sou a protagonista.

— Mas eu não sou!

Ela está teimosa quanto a isso. Tenho quase certeza que é por conta de eu parecer duvidar dela lá na Ponte Sakitamao.

— Escuta, Yuna, esses projéteis não são brincadeira. Olhe o que um deles fez com minha perna. Olhe o trabalho que está sendo para que eu possa me recuperar.

— Ah, por falar nisso. — Ela ignorou completamente minha advertência. — Eu guardei um comigo. Talvez seja uma pista para encontrar o atirador. — Ela colocou a mão dentro do sutiã pela lateral da alça direita de sua regata, e sem mexer muito, retirou um projétil congelado do meio de seus seios.

Ela o aproximou de meus olhos, o segurando com dois dedos como se fosse uma pinça.

E eu analisei cuidadosamente. Utilizei do meu olfato canino e observei bem os detalhes com minha visão.

O pequeno objeto de metal mitológico era prateado e bem polido. Tinha ornamentos envolvendo todo o projétil, com escrituras que, com certeza, davam vida a algum encantamento. E, o detalhe mais intrigante, nas costas da bala, uma gravura. Uma marcação extremamente familiar para mim.

AAA.

Aquele projétil era um material original da Associação de Assassinos Anônimos.

Seguindo por esse caminho, talvez o atirador...

— Guria, talvez a situação seja um pouco pior do que imaginamos.

— Hã? O que quer dizer com isso, seu pamonha? Reconheceu o encantamento no projétil e agora teremos que amputar sua perna?

— Não é isso!

— Se estiver com medo, não se preocupe, eu sei fazer o procedimento direitinho. Eu vi em um vídeo na Deep Web.

— Não precisamos amputar nada!

Funguei.

Recompus minha postura mental.

— Já que falou sobre reconhecer, guria, você deveria ter notado a gravura nas costas do projétil. Não te lembra alguma coisa?

Yuna ergueu o projétil na direção da luz e o analisou como quem analisa a veracidade de uma cédula monetária. Os olhos estreitaram e o lábio inferior franziu ligeiramente. Ela até chegou a acariciar o queixo com dois dedos.

— É, realmente, está gravado AAA aqui.

— Exatamente.

— Significa que esse projétil é do tamanho palito.

— Claro que não! Toda sua análise foi para isso?!

— Mas não é óbvio? Não é assim que se distingue o tamanho das pilhas? Deve ser o mesmo com essa linha de projétil.

Não posso negar a lógica forçada da guria, tudo bem. Só que, nem mesmo passou pela cabecinha dela que aquilo poderia ser a sigla da organização em que ela ocupa um dos mais altos cargos?

— Não é um sinal para tamanho, guria. É a sigla da organização de que fazemos parte.

— Ah, sim. Era minha quinta opção do que poderia ser.

— A quinta?!

— Isso. — Ela assentiu. — Se bem que, eu nunca vi nenhum desses projéteis na AAA. E eu vasculho bastante as coisas que ficam entulhadas na garagem.

— E por que fica mexendo lá? Está caçando moedas?

— Nops, eu fico construindo coisas.

— Construindo?

— Sim. Atualmente estou trabalhando em um projeto secreto para construir uma armadura vermelha e dourada.

— Você não é o Tony Stark!

— Disso eu sei. Seria uma ofensa para ele ser comparado a mim. Ele é maravilhoso.

Minha memória canina esqueceu de me lembrar que Yuna é fanática pelo personagem.

— Certo, guria, vamos focar. Esse projétil deve ser de uma linha ultrapassada da AAA, por isso que não encontra um igual, mesmo vasculhando nas coisas que ficam atochadas em nossa garagem.

— Mas e daí, seu pamonha? Onde quer chegar? O atirador pode ter comprado há muito tempo da Associação. Nós vendemos no mercado negro, não lembra?

— Claro, é uma possibilidade. Mas, eu tenho outra teoria, guria.

— E qual seria?

— A teoria de que o atirador possa ser um membro antigo da AAA. Entrando em maiores detalhes, alguém que gostaria de me ver morto. Afinal, os tiros foram contra mim.

— Um membro antigo, que gostaria de te ver morto? Se fosse o Tetsu ou até mesmo eu, seria mais plausível e também mais fácil de descobrir. Só que, alguém que queira te ver morto... você é muito fofo, não faz sentido.

— Não diga que sou fofo dessa maneira!

E então...

Um som ecoou por todo estacionamento.

Um som que capturou nossas atenções e cortou nossa linha de raciocínio, de tão surpreendente

O som da porta do andar subsolo se abrindo.

Yuna se levantou e se virou na direção da entrada/saída do estacionamento. Ela deu dois passos, se colocando à minha frente contra qualquer coisa que estivesse por vir. Ironicamente, ela fez o mesmo que um cão faria por seu dono em uma situação parecida. E não posso negar que as costas da Assassina de Youkais erguidas à minha frente era algo que transmitia grande segurança.

Embora a guria estivesse entre mim e o que estava se aproximando, eu ainda conseguia visualizar bastante do espaço ao redor. E foi assim que meus olhos assistiram a sua aparição.

Surgindo da esquina do estacionamento, caminhando por entre as colunas erguidas naquele local.

— Quem é você?

A guria não disse alto e nem baixo. Seu tom não foi de advertência, e não deixou transparecer que estava desconfiada. A pergunta saiu de forma natural e simples, direcionada diretamente para aquele que surgiu diante de nós.

Corrigindo. Aquela que surgiu diante de nós.

Com passos silenciosos como uma floresta, uma jovem mulher se revelou para nós. Mas, de início, não foi possível distinguir à primeira vista. A mulher usava um grande chapéu negro sobre a cabeça, cuja aba dificultava encará-la nos olhos. O restante do rosto, do nariz à ponta do queixo, estava coberto por uma máscara também escura. A vestimenta que cobria o resto de seu corpo consistia em uma longa e esfarrapada capa, que ia do pescoço até a altura dos tornozelos, e ainda deixava visível seus pés descalços.

Ao que ela apontou seus olhos cinzas para a Assassina de Youkais, finalmente nos foi esclarecido de que se tratava de uma mulher.

— Ei, você não escuta, é? Perguntei quem é você?

— Você... não me reconhece?

— Hã? — Yuna olhou por cima do ombro, como se procurasse alguém mais atrás dela. Depois voltou a encarar a mulher misteriosa. — Isso foi direcionado a mim? Você respondeu minha pergunta com outra pergunta?

— Sim. Você deveria me reconhecer, Assassina de Youkais. Como não se lembra da pessoa que você arruinou o futuro brilhante? Se você não fosse tão talentosa, hoje eu não estaria nesta situação precária.

— É... está bem. Geralmente, eu capto as coisas com uma velocidade impressionante, modéstia à parte. Só que, desta vez, eu realmente sinto que estou fazendo parte de uma pegadinha. Se for uma, por favor, eu estou cuidando do meu cachorro no momento, então não estou podendo participar.

— Hmph, você tem um senso de humor aguçado, não?

— Minha autoestima é consideravelmente bastante alta, a ponto de eu querer nomeá-la para altaestima. É um projeto engavetado, no momento. — E a guria posicionou as mãos na cintura. — Agora, falando sério. Eu não me lembro de ter arruinado nenhum futuro brilhante de ninguém. Digo, eu arruinei uma lista extensa de futuros, sim, mas nenhum deles era brilhante. Ou seja, seu futuro não foi arruinado por mim. Caso encerrado. Feche a porta quando sair.

— Você não me reconhece, mesmo?

— O mais próximo que eu vi de você, mulher misteriosa, foi um personagem do Mortal Kombat. E por que está me culpando pela sua situação atual? Para quem anda descalça, seus pés estão bem limpinhos, e suas mãos parecem macias e hidratadas. Eu estou começando a achar que você é só uma Cosplayer querendo ganhar novos seguidores no Instagram.

— Bem, se você não lembra de mim, é melhor. Não gostaria que isso fizesse você hesitar ou algo do tipo. Eu esperei bastante para ter minha resposta e finalmente chegou o dia.

De súbito, um calafrio percorreu meu corpo canino. Uma grotesca presença assassina começou a emanar daquela mulher misteriosa, crescendo rapidamente até tomar todo aquele estacionamento. Até mesmo um inseto no mais extremo canto daquele andar subterrâneo, começaria a correr em desespero perante aquela presença esmagadora.

Yuna não sentiu desde sua ascensão, mas não demorou muito para que ela dobrasse sua atenção para aquela presença que estava mais à sua frente.

— Guria.

— O que é?

— Ela não parece querer só conversar.

— Hmm, mesmo com essa aura assassina, ela me parece bem pacífica.

— Você está certa disso?! Não quer olhar uma segunda vez?!

— Certa eu não estou. Seria mais fácil se ela tirasse esse chapéu e essa máscara. Se por acaso eu já a encontrei em algum lugar, seria mais simples se conseguisse enxergar seu rosto em totalidade. Afinal, quem aparece só com os olhos expostos e questiona se é reconhecido?

Vamos concordar e discordar. Se fosse a Yuna, aparecer somente com os olhos expostos seria o suficiente para ser reconhecida. Mas acho que isso não se aplica a muitas pessoas além dela.

— Seja lá quem ela for, guria, existe um desejo de vingança correndo em suas veias. Eu posso sentir.

— Vingança? E se ela estiver me confundindo com alguém?

— Acho que isso não é...

— Ei, do chapéu. — Ela impediu de eu dar minha opinião e voltou seu foco para a mulher misteriosa. — Não estaria você me confundindo com alguém? Eu realmente não me lembro de ter feito algo contra você. Às vezes, pode ter sido algum impostor imitando a minha imagem. Isso vem acontecendo bastante, ultimamente.

A guria provavelmente estava se referindo ao Obake, um youkai sombrio que podia modificar sua aparência. No começo daquele mesmo mês, Yuna se envolveu em uma missão com o agente esquisito da Mythpool, e acabou matando o youkai que tinha se passado por ela e por outros.

Inclusive, pelo pai de Yuna.

Nicolas Nate.

Por conta disso, esse caso teve um desfecho pesado demais para a Assassina de Youkais.

Ela quase entrou em depressão.

— Com certeza, não estou confundindo ninguém. Seu nome é Yuna Nate. Nasceu no da vinte e nove de janeiro do ano dois mil. Dezesseis anos de idade. Filha de Nicolas Nate e Yuki-onna, a Mulher da Neve. No último ano, se tornou uma lenda urbana, crescendo aos poucos com vídeos e imagens no submundo da internet. Eu sei mais sobre você, do que você pensa.

— Tsc — e a guria parece que começou a levar a situação a sério. — Então, você é uma stalker, é? Não gostei. Ficar fuçando a vida dos outros não é uma coisa legal. Se bem que, algumas vezes eu já fiz isso, também. Do mesmo jeito, das vezes que usei desse procedimento, eu estava em missão, e não procurando fotos comprometedoras. Eu não sei o porquê você quer se vingar de mim, ou que tipo de resposta você está procurando, mas parece que você quer me desafiar a alguma coisa, estou certa?

— É, parece que você entendeu, Assassina de Youkais. Eu vim aqui vencê-la em uma competição justa.

— Hmm, quer dizer xadrez? Cem metros rasos?

— Artes marciais. Um combate até a morte somente usando os punhos.

— Até a morte? Está bem. Mas quero acrescentar algumas coisas. Se é uma competição justa, quero demarcar um território, espaço, que funcionará como arena ou ringue de nosso combate.

— Por que disso? É um combate até a morte.

— Quero dar a você a chance de desistir e sair viva, mulher misteriosa. Em outras palavras, eu não vejo a necessidade de tirar a sua vida por mero capricho. Assim, a arena demarcada servirá como opção de vitória para ambas, claro não seja necessário o assassinato. É o de sempre, como em Dragon Ball, aquele que for retirado da arena, perde o combate. Contudo, a regra sobre poder matar continua em aberto. Essas condições são agradáveis para você?

— Tudo bem. Vou aceitar essa sua condição que detalhou. Agora, as minhas. Mesmo sendo um combate até a morte, não será permitido utilizar nenhum de seus poderes como hanyou.

— É claro. Como disse, mulher misteriosa, não vejo a necessidade de matá-la por capricho.

— E também... você não pode hesitar em nenhum momento, Assassina de Youkais. Quero que leve a sério esse combate.

— Não se preocupe, eu nunca disse que queria perder. 

Compartilhar: