Capítulos (1 de 50) 14 Nov, 2020
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empurram, puxaram e esmagaram os sonhos de Pedro, até que ele finalmente cedesse, e se afastasse de tudo o que ele desejava, inclusive Davi.
Mas o garoto mais velho parecia não se lembrar de como foi a última conversa deles, de como Pedro havia chorado, e como Davi o havia abraçado e implorado, mas depois, nada do passado deles existia senão nas memórias de Pedro, porque a comunidade não existia mais, suas famílias não existiam mais, e mesmo Davi não existia mais como ele era.
- Obrigado por não me pressionar, e por ficar comigo.
A voz de Davi acordou Pedro, e ele viu o sorriso triste do amigo, e os olhos cheios de dor, que não era só por causa da amiga dele, mas não havia nada que Pedro pudesse fazer naquele momento além de pressionar sua mão contra a mão de Davi. Para Pedro, Davi havia morrido com Ribeirão das Dores, mas ele estava ali, quentinho sob a palma de sua mão.
- Eu nunca te deixaria. – Não de novo, e nunca mais.
Davi não estava nos planos de Pedro, ele tinha um objetivo, uma missão a cumprir, e ele iria cumprir sem deixar Davi para trás.
Nunca mais.
Quando o jogo acabou, Pedro levou Davi para a sorveteria que eles tinham ido no dia anterior, conversando amenidades e coisas que Davi havia lido, Pedro rindo relaxado. Era doce ter a atenção de Davi toda pra si, mesmo que ele ficasse alheio um momento ou outro.
- E é assim que se treina uma enguia! – Davi terminou e Pedro riu.
- Onde você vê essas coisas?
- Em livros!
- Livros são tão século passado. – Pedro disse rolando os olhos.
- Livros são história na palma de sua mão. – Davi gesticulou. – Imagina se só existisse a informação sobre um lugar em nuvem, e então alguém resolvesse apagar todos os rastros da informação, um livro é mais seguro.
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- Livros podem ser queimados. – Pedro comentou apenas para refutar, mas empalideceu quando percebeu que isso poderia ser um gatilho para que o amigo lembrasse sobre o que aconteceu em Ribeirão das Dores. Davi não percebeu nada e continuou a conversar animado.
- Que horror! Esse tipo de prática é selvagem! – Davi levou uma mão ao peito dramaticamente.
- Mas ainda assim é uma possibilidade.
- Sabe, às vezes você tem certa razão.
- Eu sempre tenho razão, sua anta.
- É claro que não! Nessa relação a razão é minha, você é a pessoa que sempre cede.
Pedro encarou Davi arqueando uma sobrancelha. Nessa relação? Como se Davi percebesse o deslize, ele apenas corou e encheu a boca de sorvete. Pedro apenas riu. Se as coisas tivessem sido diferentes, talvez tivesse acontecido.
O celular de Pedro tocou e quando viu de quem era a chamada seu sorriso morreu em seus lábios, o cenho de Davi franziu por causa da mudança drástica.
- Eu tenho que atender. Me espere aqui.
E Davi esperou. E esperou.
Quando estava prestes a ir atrás de Pedro, Davi recebeu uma ligação do amigo.
- Desculpa ter deixado você aí, mas é coisa urgente, eu já paguei o sorvete tá?
- Tá. – Antes que Davi pudesse dizer mais alguma coisa a ligação foi desconectada.
Davi estava sozinho de novo. Nada de Morgana para fazer um comentário sarcástico e segurar sua mão. Nada de Pedro para ficar corado e não soltar sua mão. Nada de Lucas no seu ouvindo ecoando seus próprios pensamentos. Davi sentiu seu peito apertar ainda mais. Essa sensação de completo desamparo cada vez mais recorrente, a sensação de não ter controle sobre as coisas que estão ao seu alcance, nem mesmo sobre si mesmo.
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