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Esqueceu a Senha?

Capítulos (3 de 23) 07 Nov, 2020

Shiro: 005

Era uma vez, Yuki-onna, uma das mais poderosas criaturas sobrenaturais catalogadas pela Mythpool. Para ser sincero, a Mulher da Neve ocupava o segundo lugar no ranking, ficando atrás apenas da Kitsune. Sua lista de habilidades era extensa, mas a maioria envolvia seus poderes de gelo. E apesar de eu ter dito que ela está em segundo lugar como criatura mais poderosa, estudos indicam que, se fosse pela sua “capacidade destrutiva”, e não vamos confundir com “poder”, ela mal entraria no top cem. A questão é que em um confronto individual ou até mesmo coletivo contra os seres dentre os cem primeiros, somente Kitsune conseguiria vencê-la com facilidade.

Mas okay, peço que não se assustem. A lista de seres sobrenaturais não engloba anjos, semideuses, híbridos ou extraterrestres. A Mythpool cataloga-os separadamente para simplificar as coisas e não haver confusão.

Se formos pegar o segundo colocado da lista de semideuses para enfrentar Yuki-onna, certamente ela seria vencida com tremenda facilidade. Até mesmo o cara das górgonas, usando aquela transformação dele, poderia derrotar a youkai sem muita dificuldade.

O que quero dizer? Quero dizer que Yuki-onna não é tudo isso, mas, ainda assim, é muita, mas muita coisa. Afinal, ela é o segundo lugar no ranking de criaturas sobrenaturais.

Eu não conhecia a youkai até aquela missão. A maioria dos agentes não a conhecia, e muitos, mesmo depois dos incidentes, a desconhecem. Digo que, nós não ficamos olhando quem sobe ou desce do ranking de criaturas sobrenaturais. O fato é que essa lista é inútil. A Mythpool muito raramente lida com esse tipo de entidade, então não precisamos estudar sobre youkais, yureis ou shinigamis, mesmo este último estando no campo de divindades.

Mas, se eu tivesse feito minha lição de casa, talvez não estivesse naquela situação.

Yuki-onna me levou para um campo de golfe. Não sabia onde ficava aquele lugar, e até hoje não sei exatamente, mas tinha noção que ainda estávamos em Tóquio. Não que eu tenha um ótimo senso de localização, é que no caminho, enquanto era levado pelo enxame de abelhas albinas, consegui visualizar a Tokyo Gate Bridge ao longe, e com certeza aterrissamos antes de passarmos por ela.

A Mulher da Neve me colocou delicadamente no solo e logo os cubículos de neve se uniram, voltando para verdadeira forma da youkai.

Eu, que fui colocado sentado no gramado, permaneci sem ação para com a situação. Olhava somente o corpo da mulher de pé à minha frente, que, por sua vez, olhava na direção da cidade de onde viemos. E ela aguardava. Estava à espera de sua criança, Yuna Nate. Não vou mentir e dizer que também não estava esperando a hanyou aparecer heroicamente.

Mesmo sendo vítima de um sequestro, como se com Síndrome de Estocolmo, eu ainda lançava um olhar apaixonado para minha sequestradora. Da posição que eu me encontrava, a Mulher da Neve parecia uma estátua da deusa do amor esculpida em mármore, ou melhor, em gelo, se é que entende a sutileza.

Eis que a mulher percebeu meu olhar. Ela me observou por cima do ombro e se virou, como se para enxergar melhor os detalhes de minha imagem. Os olhos azuis, sempre aqueles olhos azuis. Tanto a mãe quanto a filha tinham olhos hipnotizantes. Mas os da youkai pareciam ter o efeito completo da magia.

Instintivamente, arrastei meu corpo sentado um pouco para trás. A mulher, em resposta a minha atitude, se ajoelhou devagar e colocou as mãos sobre os joelhos, me olhando como se eu fosse um gatinho assustado. Era uma pose apelativa para se fazer a um jovem agente de dezoito anos. Se aquela situação fosse uma partida de Yu-gi-oh, ela estaria usando uma daquelas cartas proibidas em competições.

Minha única estratégia foi desviar o olhar. Uma tática covarde. O certo seria eu encará-la e enfrentar meus desejos sórdidos, mas era muito difícil.

— Estás bem? Perdoe-me se machuqueis a ti, eu estava apressada.

— Eu... estou bem.

— Hmm...

Yuki-onna inclinou o corpo e levou as mãos dos joelhos para o gramado. Ela ficou de quatro. Isso mesmo, de quatro, como um animal quadrúpede. Sei que mencionei o fato dela andar nua por aí. Pois é, você não imagina o quanto foi difícil para Vosso Humilde Narrador. E para piorar, ela decidiu engatinhar. Ela engatinhou me cobrindo com seu corpo e seu rosto chegou perto, muito perto.

Eu comecei a suar. Engoli em seco. Meu pescoço começou a doer por mantê-lo tanto tempo voltado para o lado esquerdo.

— Quer deleitar-se comigo?

Foi quase como um sussurro. Talvez eu tenha ouvido daquela maneira por conta de minha imaginação naquele momento tão delicado. E sim, a verdade é que eu queria. Mas não era um desejo tão grande, sinceramente era até comum. O problema eram aqueles malditos olhos azuis. Desde a primeira vez que os vi, um desejo carnal que era como uma semente de mostarda em mim, começou a crescer e tomar conta de cada célula de meu corpo. E isso se expandia mais rápido a cada vez que cruzávamos o olhar.

— O que você está fazendo comigo?

Ela não sanou minha dúvida com palavras. A youkai simplesmente mordeu minha orelha. Não uma mordida violenta, como se fosse o Mike Tyson. Foi mais um aperto com os dentes do que uma mordida de fato. E confesso que foi extasiante. Realmente, aquilo foi relaxante. Eu estava quase cedendo, mas me mantive firme. Era só eu pensar como um jogador de LOL que estaria seguro. Não que eu esteja julgando os adeptos ao jogo, mas me ajudou bastante ali.

Eis que ela colocou as mãos em meus ombros e se acomodou em meu colo como se montasse em uma motocicleta. Isso fez minha respiração mudar. A dela também.

— Olhe para mim, filho de Adão.

Soou como uma ordem, uma pena eu ser rebelde. Afinal, o que ela queria? Okay, vou reformular minha pergunta. Por que ela queria? E comigo. O que estava acontecendo no meio daquele campo de golfe? Poucos minutos atrás ela estava tentando pegar a joia Magatama, e agora ela quer fazer sexo. O que se passa na cabeça da Mulher da Neve?

Nesse momento, decidi começar um interrogatório. Eu me voltei para ela. Seu par de seios estava a centímetros de meu rosto. Foi um desafio ignorar aquilo, mas com muito esforço, consegui olhar em seus olhos.

— Por que disso? Por que comigo?

— Oh, meu belo jovem, tu és o escolhido desta era. Eu tinha um plano, mas mudeis de ideia. Olhando a ti, percebi algo especial, como se a deusa da sorte sorrisse para ti. Penso que podes me dar o que desejo atualmente.

— Sexo?

— Não somente, meu belo jovem. Tu serás o incubador de minha nova prole. Tu tens um brilho parecido com o de meu antigo amado. Creio que nossa criança nascerá sem defeitos como minha prole anterior. Então, ela crescerá e tomará a vida daquela que se chama Yuna. Não és uma ofensa perfeita para uma aberração como ela?

Ela sorriu ao dizer as palavras finais. Ela queria saber o que eu achava daquela ideia. Ela realmente pediu minha opinião. Ela montou nua em cima de meu colo, me contou seu plano maligno e perguntou o que pensava sobre aquilo. Então, eu respondi.

— Eu... só acho que você é um monstro.

Eu não era capaz de falar alto o suficiente para expressar a repulsa que estava sentindo. Sendo assim, disse serenamente.

— Monstro...?

O clima mudou. A temperatura caiu ainda mais e meus dentes já estavam se batendo. O céu nublado em cinza, escureceu, se tornando tempestuoso. Sim, uma nevasca estava a caminho. Uma gélida tempestade de neve.

Ela se ergueu, saindo de cima de mim, e depois desviou o olhar.

— Perdoe-me... não queria assustá-lo. Não tens nada a ver com meus devaneios, és meramente um filho de Adão. Tu não me amas verdadeiramente, nunca daria certo sem o amor em sua realidade.

— Eu... bem. O que pretendia fazer com a joia... a joia Magatama?

— Como assim?

Ela voltou a me encarar, e senti que estava andando por um campo minado.

— Bem, a joia tinha poderes mágicos... então...?

Novamente, ela sorriu.

— Eu usaria sua magia para consertar minha prole.

— Voltar no tempo, sabia... ei, como é?

— Surpreso?

— Sim... mas, se era isso, por que não disse?

— Porque Yuna não queres ser consertada. Ela prefere se rebelar contra minha vontade. Queres mostrar que pode ser maior, mesmo sendo menor. Isso estava diante de mim, mas eu não queria ver. Pois agora aceitei, por fim, que ela és uma imperfeição. Após matá-la, voltarei aos bosques para encontrar um novo amor, e terei uma nova prole. Pena que não serás tu, és um jovem bonito.

— ......

— Mãe...

Enfim, é chegada a hora. A palavra pronunciada metros às costas de Yuki-onna foi como o soar de um gongo ao iniciar um combate. E ela se virou para a filha. Mais uma vez, as safiras se cruzaram vorazes.

Então, começou a nevar. Não só sobre o campo de golfe, mas por toda cidade de Tóquio. As nuvens escuras do céu nublado que tapavam a luz do solar, começaram a chorar suas lagrimas congeladas, banhando a Terra do Sol Nascente com melancolia e frio. Era como se os deuses daquelas duas lamentassem o que estava para começar.

— Jovem, afaste-se.

Não pensei duas vezes. Levantei todo desesperado e amedrontado, e corri para direita, para perto das árvores. O correto seria eu fugir, correr para longe, bater em retirada. Encontrar um taxi ou chamar um Uber, e ir até o apartamento de Suny, ver como ela estava. Contudo, alguém precisava ser o Capitão Jack Sparrow. Alguém precisaria presenciar aquilo e viver para contar a história. Dito isso, como vocês devem ter percebido, Vosso Humilde Narrador, não fugiu e nem hesitou.

— Há quanto tempo estais aí?

— O suficiente, exibicionista. Pena que escolheu mal. Você não é o tipo dele. Ele é um pedófilo e também masoquista.

— Ei! Eu ainda estou aqui!

— Entendo. Isso explica toda sua hesitação.

— Quê? Você acreditou?

— Mas vamos ao que importa. Saibas que desta vez não pouparei a ti das mãos da morte.

— Eu também não hesitarei. Estou determinada a completar minha missão e entrar para a Elite, como prova de minha superioridade.

É isso aí. Confesso que estava empolgado. Quase borrando minhas calças de novo, mas ainda assim, empolgado. Eu estava para ver com meus próprios olhos o embate mortal das senhoras do gelo.

A Mulher da Neve passou as mãos no cabelo, revelando seus majestosos chifres brancos que pareciam com as presas de um tigre dentes-de-sabre. Já Yuna Nate, não podia fazer um truque de mágica tão legal, mas acabou fazendo algo mais simbólico. Ela ajeitou o gorro cinza em sua cabeça que escondia suas orelhas de lobo, como se para negligenciar sua ascendência sobrenatural naquele confronto.

— Faça seu pior, aberração!

— Lhe digo o mesmo, exibicionista!

Tanto a filha quanto a mãe se moveram em ataque. A distância entre as duas era de mais ou menos setenta metros, mas quando seus pés as lançaram para o combate, os metros pareceram ser convertidos para centímetros. Foi em um piscar de olhos que as duas se encontraram socando uma o rosto da outra. O impacto dos golpes gerou uma ventania que soprou para todos os lados e acabou me lançando de costas contra o tronco de uma árvore, me fazendo cair sentado. Achei melhor continuar daquele jeito.

A pressão que os punhos da youkai e hanyou faziam um na face da outra, instantes após a ventania, acabou afastando as duas, as jogando para trás. Ambas giraram no ar, deslizando ao colocarem os pés na grama para desacelerar o impulso, e se encararam como animais famintos.

A Mulher da Neve limpou o sangue que escorria pelo canto de sua boca. Já Yuna não tinha sangue para limpar. Porém, sua bochecha esquerda estava congelada, como se revestida por cristal. Isso não durou muito tempo, a camada de estado sólido da água logo se desfez.

Realmente, mesmo que Yuki-onna não pudesse congelá-la à distância, pelo contato a situação já era diferente. Contudo, a garota conseguia reparar os danos com um pouco de tempo e concentração. Vendo dessa maneira, a vantagem da youkai não era grande coisa, e as duas estavam, praticamente, lutando de igual para igual.

E assim, o espetáculo de gelo teve início. O solo ao redor de Yuna foi congelado em forma circular, e desse tapete de gelo que a garota criou, duas panteras gélidas saltaram para o gramado, como se invocadas do submundo, e avançaram ferozes contra a Mulher da Neve. No entanto, ao se aproximarem e saltarem contra seu corpo, elas se despedaçaram em corvos de gelo, que começaram a rodear a youkai.

Instantes depois, os pássaros de Yuki-onna se tornaram facas flutuantes, que voaram na intenção de mutilar a Mulher da Neve. Mas, as lâminas de gelo se esfarelaram em neve, que inofensivamente caiu ao redor da youkai.

— És inútil. Se o que pretendes és me alvejar à distância, desista.

— Verdade. Parece que não tenho outra escolha.

Então, Yuna tomou uma decisão que achei um pouco peculiar para a situação. Ela tirou os tênis. Por terem o cano-médio e serem um pouco grossos, achei que deveriam atrapalhar a agilidade e mobilidade da hanyou. Imaginei também serem tênis pesados para treinamento, o que, posteriormente acabei confirmando. Mas, tirar seu uniforme? Não era nenhum traje especial como os tênis, era uma peça de roupa comum, não havia necessidade, era o que eu pensava.

Por baixo de seu uniforme, ela estava usando uma lingerie branca com ornamentos transparentes.

— Pare de me comer com os olhos, seu pamonha.

— Estou de boa.

A hanyou soltou ao chão o traje vermelho como a pele de um demônio, e o que de mais bizarro poderia acontecer, aconteceu. A regata de basquete da garota começou a se embolar no gramado e, de súbito, com um zunido cortante, o tecido se estendeu retorcido para cima na forma de uma lança.

Uma lança carmesim como sangue foi apanhada por Yuna Nate. Em seguida, ela retirou sua luva vermelha com auxílio dos dentes, cuspindo-a na grama.

Yuki-onna riu ao ver aquilo. Ela levou a mão à testa e riu, parecendo estar decepcionada com a cena. Seus olhos azuis fitavam a hanyou com desdém. E com um suspiro, ela cessou sua risada e colocou a mão na testa em sua cintura.

— Achas que um manto mágico poderás me deter?

A garota girou a lança na mão e a empunhou com ambas as mãos. Virando o corpo para direita, Yuna deu o ombro esquerdo para a mãe e apontou sua arma para ela, esticando a perna esquerda e dobrando levemente os joelhos. Era a posição de combate de uma verdadeira lanceira a que ela tomava ali.

— Renda-se, filha, tu não...

Foi veloz e furioso. A poeira foi chutada para trás onde a hanyou se encontrava. A garota se lançou em um movimento súbito, que só notei porque ela sumira do campo da minha visão atrasada. E eu não sei exatamente o que aconteceu no meio tempo entre o ataque de Yuna e o acompanhar de meus olhos. Porém, quando minha visão voltou a focá-la, havia metade de um braço espetado como carne de churrasco na haste da lança carmesim.

A hanyou passou pela Mulher da Neve, e estava alguns passos às costas dela. E a youkai estava abismada. Seu braço direito pingava sangue como uma torneira mal fechada. Os olhos arregalados expressavam a mistura de pavor e ódio.

Yuna puxou o antebraço da mãe, libertando-o de sua lança. Ela olhou a youkai por cima do ombro antes de se virar por completo. Yuki-onna também se virou.

— Maldita... sua aberração!

A garota jogou o pedaço de carne para ela, que apanhou seu braço no ar.

— Pode espernear, vai. Não pretendo continuar enrolando aqui, então suas reclamações não irão durar muito tempo.

— Sua... tsc. Por que me devolvestes?

Rangendo os dentes a youkai comeu as palavras. Ela ajeitou a postura, voltando a explanar sua graciosidade. O antebraço em sua mão foi encaixado de volta em seu corpo e sua habilidade regenerativa consertou seu braço, que parecia nunca ter sido danificado.

— Não quero passar a vida pensando que te venci porque estava sem um braço, exibicionista. E então? Desta distância, com a velocidade que posso atingir, não vai ser muito difícil acabar com você.

Yuki-onna deu dois passos para trás. Mas não como se estivesse tomando uma distância segura ou hesitante e com medo. Ela estava criando uma espécie de perímetro para as atuais circunstâncias do combate. E assim, a youkai gerou uma lança de gelo, quase uma réplica perfeita da arma de sua filha. Ela girou em sua mão e imitou a posição de combate da garota.

E era isso. De um lado, uma pirralha movida pela força do orgulho. Do outro, uma mulher motivada pelos ideais preconceituosos. Ambas lanceiras se aproximaram repentinamente e um show de golpes rápidos começou no meio daquele campo de golfe. As lanças se cruzavam diversas vezes em sequência com uma velocidade absurda. Não era possível ver as armas. As hastes se transformaram, para meus olhos, em traços brilhantes de fogo escarlate e azul gélido. Os movimentos que superavam a velocidade do som, pareciam estar tentando superar também a velocidade da luz.

— Essas duas são surreais. Acho que vou mudar de emprego.

— Realmente, deveria.

— Hã?

Sorrateiramente ao meu lado, Suny McSun apareceu. O ferimento em sua perna estava enfaixado, assim como os dos braços também estavam cobertos.

— Parece que cheguei atrasada, não é?

— Você está bem?

— Elas mal estão usando os poderes. — Ela ignorou minha pergunta. — Hmph, parece que não é só na aparência que são humanas. Decidiram resolver o combate da forma mais pragmática, com um duelo de lanças.

— Na verdade, as circunstâncias levaram a isso. Uma anula o poder da outra. A vantagem de Yuki-onna, que era o contato, foi resolvida com a utilização de uma lança pela Yuna, que por algum motivo, é a regata que ela estava vestindo.

— Oe? Verdade, agora que reparei, ela está seminua. O que você deu para ela beber?

— Ei! Eu não fiz nada, não tenho culpa se ela tem um uniforme mágico!

A questão é que Yuna tinha um plano para derrotar sua mãe, desde o começo. Ela já planejava usar essa roupa mística como arma. Ela conhecia o inimigo. Sabia de suas vantagens e desvantagens. E ela também conhecia a si mesma. Era fato para ela que não seria possível vencer Yuki-onna com seus poderes de gelo. A garota pensou como uma verdadeira assassina. Sabia que seria como uma assassina de criaturas, ou melhor, como uma Assassina de Youkais, que ela daria um fim nela. Então, ela retirou a Mulher da Neve de sua zona de conforto e a trouxe para seu território. Aquele combate que parecia estar de igual para igual, na verdade, era somente favorável para a hanyou. Até porque, embora a garota procurasse provar seu valor para a mãe, Yuna estava em uma missão e tinha recebido uma ordem.

E a hanyou bateu com sua lança na lança de sua mãe, a retirando de suas mãos e jogando-a para o lado. A isso, Yuki-onna cambaleou para trás. O embate super veloz de lanças terminara e já podíamos analisar nitidamente a situação. Primeiro reparei em Yuna. A garota estava sem um arranhão, lisinha. Os olhos azuis estavam sombriamente sérios. Havia determinação naquele par de safiras. Então, observei a youkai. Haviam crateras em seu ombro esquerdo, braço direito, coxa esquerda e costelas direitas. Ela aparentava não sentir dor, o que era comum para criaturas sobrenaturais. Mesmo assim, seus olhos mostravam o desespero que estava sentindo.

— É, parece que temos uma vencedora. — Comentou Suny.

Yuna girou e acertou um chute no plexo solar da Mulher da Neve, que a lançou metros para trás. Eis que uma grande concha no estado sólido da água se formou atrás do corpo que voava da youkai, interceptando-a no meio do trajeto. E Yuki-onna bateu as costas ali, trincando o gelo em um momentâneo estado de impotência. Momento esse que foi o suficiente para a hanyou.

Mais uma vez, a garota girou, agora pisando forte com o pé de apoio e com a lança posicionada para o lançamento. Com um brado dizendo “morra”, Yuna Nate arremessou sua arma escarlate que voou como um míssil na direção da youkai. Antes de qualquer reação da Mulher da Neve, cujas forças estavam sendo usadas para regenerar os ferimentos do recente embate supersônico, a lança carmesim atravessou o crânio de Yuki-onna, destruindo seu olho esquerdo.

A filha mirou em um dos olhos, propositalmente. Parte de seus poderes de gelo dependiam do “poder dos olhos” como a mãe chamava. Yuna claramente sabia disso. Ao alvejar um dos olhos, ela não só aplicou um golpe fatal, como se precaveu contra um sorriso da deusa da sorte para a youkai. Com os poderes reduzidos, no estado que ela se encontrava, com uma lança de tecido místico e mutante a pregando em uma concha de gelo, era questão de minutos para Yuki-onna partir desta para uma pior.

Eram os últimos momentos de mãe e filha. Mesmo as duas negando uma a outra, ainda eram parte uma da outra. A hanyou caminhou até a concha, cessando o caminhar a meio metro de distância. Um pouco mais do que uma régua escolar é o que separava a mãe da filha.

— Oi, mãe.

— Filha...

— Tudo bem?

Uma pergunta idiota. Uma pergunta idiota cheia de emoções sinceras. Talvez ela não soubesse o que dizer, ou talvez ela nunca teve a oportunidade de perguntar se a mãe estava bem. O que eu acho, é que ela só queria mostrar que se importava. Sabe, como naqueles filmes de zumbis, onde um personagem tem de matar alguém que gosta porque foi infectado com o vírus, e então precisa priorizar a sua sobrevivência. Penso que era mais ou menos a mesma situação de Yuna Nate e Yuki-onna.

A garota gostava da mãe. Mesmo com todo o preconceito, no fundo, ela gostava. No entanto, sua mãe era como um “zumbi”, que infectado pelo “vírus”, só queria devorar sua filha, que é humana. Aos olhos de um zumbi, um humano é uma divergência, uma falha, uma “aberração” como a própria youkai dizia. Portanto, meramente comida.

É isso. Uma pessoa preconceituosa é como um zumbi. Um ser humano que foi infectado pelo vírus do preconceito. Um “zumbi social”. Que termo esquisito, vamos descartá-lo. Yuna e Yuki-onna não são humanas, mas são seres racionais e que vivem, mesmo que escondidos, em nossa sociedade. Penso que podem serem usados como exemplo.

— Filha... crescestes forte...

— Mãe?

— És injusto... muito injusto... fui vencida por uma assassina. Tu me colocaste em uma situação desvantajosa...

— Não havia outra maneira, mãe. Nunca iria vencê-la lutando puramente como uma youkai, mas também não conseguiria a confrontando puramente como humana. Somente como hanyou a vitória seria certa.

— Pensastes em tudo, não?

— Foram duas semanas de muito estudo. Foi difícil conseguir esse traje simbiótico.

— Simbiótico...? Que alimento seria isso?

Yuna sorriu.

— Sua pamonha, não é comida.

— Hmm... entendo. Sinto... que um shinigami está se aproximando...

— É, eu sei.

— Nunca lhe ensineis algo... vou aproveitar estes lamentos finais...

— S-Sim... — a hanyou aguardou ansiosamente as palavras de sua mãe.

— Nunca... nunca apaixone-se por alguém, filha. Nós criamos nossos próprios demônios... e foi esse erro que cometi e que me fez perder um olho.

— ......

— Se cometeres o mesmo erro, perderás um olho como eu.

— Eu... vou tentar ser boazinha... mãe.

O deus da morte havia feito seu trabalho. O corpo de Yuki-onna perdeu a consciência. Yuna deu dois passos à frente e apanhou sua lança, a retirando do crânio da mãe. A arma se destorceu, voltando a ser seu uniforme de time de basquete. A garota vestiu seu traje, que continha pequenas manchas do sangue da youkai no tecido.

— Tsc.

E a hanyou começou a correr de cabeça baixa em qualquer direção.

— Ei, Yuna! Onde é que você vai? Ei, ei!

— 3k1, espere!

Ignorando a voz de Suny, eu não me contive a iniciar uma corrida atrás da garota que, mesmo que impossível de acompanhar pela velocidade, acabou deixando claro seu destino.

No final, a garota que solta gelo pela mão quase nem usou seus poderes de gelo. Afinal, Yuna Nate era muito mais do que isso. A metade humana dela, a parte que você acompanhou neste meu relatório da missão, era uma assassina treinada para lidar com criaturas sobrenaturais. Quando ela recebeu a ordem para matar Yuki-onna, a garota de quinze anos já pensava e agia como a Assassina de Youkais que ela é, no presente momento que conto isso a vocês.

Ela orquestrou tudo. Desde conseguir um uniforme mágico e usar tênis pesados para disfarçar sua verdadeira velocidade, até se deixar ser capturada pela Mythpool para levantar informações. A hanyou, diferente de mim, pode ser considerada praticamente uma arma humana de guerra fria.

E falando em Vosso Humilde Narrador, mesmo tendo completado a Operação Ogro na Noitada, eu fui suspenso por um tempo. Mas depois fui promovido, o que foi bem esquisito. Entrei para um esquadrão especial e acabei ganhando um pequeno presente, e a hanyou até chegou a vê-lo... mas enfim. Não é sobre Vosso Humilde Narrador esta história, não é mesmo? Ela é sobre...

— Yuna... ei... eu tenho medo de altura, então...

A garota tinha corrido até a Tokyo Gate Bridge e subido até o topo das vigas de aço. Eu a encontrei sentada virada para a água, abraçando as pernas e de cabeça baixa. Uma imagem até que depressiva, mesmo para ela.

Sentei ao seu lado.

— Você está bem? Okay, talvez não esteja... deve ser difícil, eu sei... okay, eu não sei, na verdade... droga, sou péssimo com as palavras...

— Realmente, muito ruim.

— Você não está chorando, né?

— Não. Por que eu choraria? Era minha missão, eu me preparei para isso... era o que eu queria, minha ambição...

Aquelas palavras me deixaram receoso.

— Bem... sim...

— Mas não era o que eu desejava, seu pamonha. Não era esse o meu sonho, entende?

— Como assim?

— O que eu queria era ver minha mãe morta. Minha ambição era chegar à Elite, e agora, é provável que os Executores já tenham avisado a chefe e eu já esteja dentro.

— Pô, bacana...

— Contudo, meu desejo era de que minha mãe me aceitasse como sou. E meu sonho era não precisar tirar a vida da minha própria mãe para viver em paz. Meu sonho era não precisar usar esse gorro por todo canto.

— Então, corra atrás dos seus sonhos...

— Não, seu pamonha.

— Por que não?

— Porque eu não quero isso. Porque meus sonhos são quase o oposto de minas ambições. E para mim, o importante é o que eu acho correto, é aquilo que eu quero. Desejos são como sonhos, e sonhos são como ilusões. É uma vontade utópica, seu pamonha, e quer saber uma das coisas que eu mais odeio?

Yuna Nate deixou de observar o horizonte nublado para voltar seus olhos azul-escuros contra mim.

— Finais felizes. Eu odeio finais felizes. 

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